Fundo Soberano acusado de fazer desvios de aplicação
13 de maio de 2025O Fundo Soberano de Moçambique deverá financiar os primeiros 15 projetos, incluindo 12 escolas, informa a Forbes África Lusófona. A revista cita o projeto de lei do PESOE, o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado, em debate no Parlamento. A notícia indignou a sociedade civil local, que entende a intenção como um desvio de aplicação.
A coordenadora para o Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano esclarece que tal financiamento deveria sair do Orçamento Geral do Estado e não do Fundo. Fátima Mimbire fala em "violação grosseiríssima da lei" e por isso defende uma intervenção do Tribunal Administrativo.
Em entrevista à DW, Fátima Mimbire alerta ainda para riscos de manipulação para alimentar clientelismo, amparar promessas eleitorais do partido que governa, pagar a dívida e outras ilegalidades.
DW África: Qual o seu comentário sobre o eventual uso do dinheiro do Fundo Soberano para projetos sociais?
Fátima Mimbire (FM): Há muita confusão no documento do PESOE sobre o Fundo Soberano, e essa confusão já era previsível por causa do enquadramento legal que se faz do Fundo Soberano.
O que Moçambique precisava, na verdade, não era de uma lei do Fundo Soberano, mas sim de uma lei de gestão das receitas provenientes do gás ou dos recursos naturais, onde se criaria o Fundo Soberano como um mecanismo.
Porque é que eu faço esta nota prévia? Porque, quando lemos o documento do PESOE, o que verificamos é que há muita confusão entre o Fundo Soberano e as receitas provenientes do gás. O que a lei do Fundo Soberano faz, e até extrapolando um pouco aquilo que deveria ser o seu escopo, é dizer que se cria um Fundo Soberano que vai receber 40% das receitas provenientes do gás, a partir de uma repartição em que 40% de receitas projetadas vai para um fundo e 60% para o orçamento.
E o Governo, na proposta, por inércia, acabou por cometer o erro - que eu não quero acreditar que seja, de facto, a receita do Fundo Soberano – porque, se for, é uma violação grosseiríssima.
Por inércia, diz que as receitas do Fundo Soberano vão ser repartidas entre 60% para o PESOE, e o restante para o Fundo Soberano. Não é isso. Não são as receitas do Fundo Soberano que são repartidas. O que é repartido são as receitas do gás. E, então, foi-se reproduzindo este erro.
DW África: Esse equívoco configuraria de alguma maneira, um ilícito ou um crime por parte do Executivo?
FM: É uma violação à lei. Porque a lei é muito clara sobre para onde é que são alocados estes investimentos. Porque, se hoje conseguem desviar a aplicação, significa que amanhã podem desviar para pagar a dívida [pública], por exemplo, e o que está escrito na lei é que é proibido investir no pagamento da dívida.
O ponto é que o Governo é o mesmo. Os deputados que estão na Assembleia da República, a maior parte deles da FRELIMO, estavam na Comissão do Plano e Orçamento, com a qual nós discutimos durante o período passado sobre o Fundo Soberano e eles foram remitentes em incluir investimentos sociais.
Como é que hoje tapam a vista ao desvio da aplicação dos recursos do Fundo Soberano? Os 60% vão para o PESOE que é para investimentos estruturantes na economia e aponta quatro áreas especificamente nas quais se deve investir, sendo a agricultura, a indústria, as infraestruturas e as energias novas e renováveis.
No entanto, quando olhamos para os próprios investimentos que o Governo vai fazer, por exemplo, numa fábrica de ração, num distrito, em kits de autoemprego, isso levanta questões muito importantes.
Durante muito tempo fizemos advocacia e insistimos que o Fundo Soberano deveria ter como prioridade o investimento no capital humano, que incluiria investir na saúde, na educação - e isso foi negado durante todos estes anos. Vai caber ao Tribunal Administrativo tomar uma decisão.
DW África: Seria melhor alterar a designação, já que não sobrará dinheiro do Fundo se considerarmos o equívoco que a Fátima mencionou?
FM: Sim, na verdade, temos é de voltar a revisitar esta lei. Na verdade, rasgar essa lei, porque pode ter um ou outro aspeto bom, mas na generalidade não presta para nada.
E insisto: Moçambique precisa de uma legislação de receitas, não de uma lei do Fundo Soberano.
É que o modelo de Fundo Soberano, o mecanismo de alocação de receitas do gás para o Fundo Soberano, é bastante crítico e problemático, que pode resultar em zero meticais no Fundo Soberano, ou seja, num Fundo Soberano sem fundo.
Porque o que se está a privilegiar é uma partilha de receitas baseada em projeções, num Governo que não é honesto, constituído por pessoas que passam dias e horas a pensar em como ludibriar as pessoas, as instituições, em desviar fundos. Certamente vão fazer projeções inadequadas, inflacionadas, para permitir que o orçamento receba mais. E, quando chegar a hora de nós recebermos receitas abaixo daquilo que foi projetado, o Fundo Soberano ficará, consequentemente, sempre prejudicado.