Extrema-direita: "Temos que criar uma opinião pública forte"
21 de maio de 2025O partido Chega, liderado por André Ventura, conhecido pelo seu discurso xenófobo e anti-imigração ligado à extrema-direita, subiu de 50 para 58 deputados na próxima Assembleia da República, igualando o derrotado Partido Socialista (PS), em Portugal. Os resultados das eleições legislativas antecipadas de domingo (18.06), em Portugal, demonstraram claramente a tendência de crescimento da extrema-direita na Europa e o risco que representa para as democracias europeias.
A realidade é de tal forma preocupante que despertou para a necessidade de uma reflexão profunda, em particular, sobre o papel da arte e dos aristas na luta contra os nacionalismos e o racismo.
Gerd Hammer, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e especialista em literatura alemã, media e história das emoções, reconhece que o crescimento da extrema-direita é uma realidade que a todos deve preocupar. "De facto, não temos muitas hipóteses, senão consciencializar as pessoas dos perigos que vêm daí", afirma em tom de alerta, em entrevista exclusiva à DW.
É neste contexto que decorre entre os dias 21 e 25 deste mês, em Lisboa, o KULTURfest – Festival de Culturas de Expressão Alemã – que propõe para esta sexta-feira (23.05) uma reflexão urgente sobre o papel da resistência artística em tempos de ascensão da extrema-direita. O debate "Resistência artística ontem e hoje", promovido em parceria entre o Goethe-Institut e o Gerador, cruza o passado e o presente, procurando paralelismos entre a década de 1920 — marcada pela radicalização política na Alemanha — e os desafios que moldam a Europa dos anos 2020.
O festival, que conta com a colaboração das embaixadas da Alemanha, da Áustria, Suíça e Luxemburgo – com patrocínio da Associação de São Bartolomeu dos Alemães em Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa, do LIDL e do Turismo da Alemanha, realiza-se também em Coimbra (2 a 4 de junho), Leiria (21 a 23 de julho) e Lagos (24 a 27 de setembro, entre outras cidades portuguesas. Esta segunda edição começou no Porto entre 27 e 30 de abril passado.
DW África: Os resultados das eleições do último domingo em Portugal demonstram um crescimento da extrema-direita, uma tendência ou realidade que se tem vindo a registar na Europa como ameaça às democracias europeias. É uma realidade preocupante?
Gerd Hammer (GH): Isto, obviamente, é uma realidade que todos nós devíamos nos preocupar, sem dúvida nenhuma, porque vemos cada vez mais nacionalismos, seja na Hungria, seja na Itália, França, Alemanha e Portugal também. E as pessoas, durante muito tempo, pensaram sempre que a situação em Portugal estivesse muito mais estável, mas agora, em seis anos, o Chega agora já está com acima dos 20% [de votos] e isto, de facto, é uma grande preocupação.
DW África: E como lidar com este fenómeno?
GH: Nós, de facto, não temos muitas hipóteses, senão que consciencializar as pessoas dos perigos que vêm daí. Percebe-se, também, que muitas pessoas não estão contentes com a atual realidade política, mas isto é o trabalho que temos de fazer nas democracias. Temos de apresentar os nossos argumentos todos os dias, etc. Mas, também, torna-se um grande problema por causa dos medias. Quando vejo três grupos de jornalistas irem atrás de senhor Ventura ao hospital, sim, isto é uma notícia. Mas isto é mais publicidade para essa pessoa do que mesmo uma notícia.
DW África: Os imigrantes, não só os originários de África, são as principais vítimas da extrema-direita. É possível uma inversão desta tendência ou deste crescimento da extrema-direita sabendo que resulta da opção dos eleitores?
GH: De certa maneira, tem razão, são muitas vezes os imigrantes, no caso da Alemanha, continuam também a ser os judeus, e em Portugal também. Mas, aqui temos exatamente o mesmo problema. Todos sabem, perfeitamente, que vamos precisar da migração. E a migração é um facto e não vamos poder contornar completamente isso.
Mas, também percebo que as pessoas, de certa forma, querem regras. Olhando para situações como no Alentejo, onde depois não há condições dignas para os migrantes, o que, de facto, é uma tristeza. Pessoas que têm que partilhar quartos pequenos com 10, 12 pessoas, etc.
Temos que chamar atenção para essa situação muito, muito difícil das pessoas, e não podemos ver isso como um problema. A grande maioria dos migrantes ajuda Portugal, e nós sabemos disso. São eles que pagam os contributos [para a Segurança Social e Finanças], e são eles que fazem, muitas vezes, trabalhos que outros já não querem fazer, etc. E, muitas vezes, para os migrantes, também é uma necessidade, e com o pouco dinheiro que ganham, ainda conseguem, pelo menos um pouco, ajudar as famílias.
DW África: Daí a razão de ser deste debate para uma reflexão profunda sobre o papel da arte e dos artistas na luta contra os nacionalismos e o racismo, que o Instituto Alemão de Lisboa e o Gerador promovem esta semana?
GH: Sim. Isto também é uma abordagem histórica. Querem falar um pouco sobre a situação na Alemanha, na República de Weimar, hoje. Mas, também temos que ver que as possibilidades dos artistas são, de facto, limitadas. Existem, obviamente, grupos, hoje em dia, por exemplo, na Alemanha, o que se chama música rock contra a direita. Tudo isto existe, mas é uma forma de criar uma consciência das pessoas. Parece-me praticamente a mesma situação cá em Portugal. Os artistas, ou a cultura em si, têm, normalmente, uma tendência mais para a esquerda do que para a direita. Mas, também, as possibilidades, como já disse, dos artistas são limitadas.
DW África: O debate ou a reflexão no âmbito da KULTURfest em Lisboa pode ajudar a mudar alguma coisa pela via da resistência a este fenómeno, em Portugal, em particular e, na Europa, em geral?
GH: Isto seria ótimo se fosse assim, mas não podemos pensar tão grande. Isto são pequenos pedaços para criar uma opinião pública sobre essa temática. Isto, de facto, é altamente importante. As pessoas têm que ver o que acontece com o crescimento dos movimentos de extrema-direita.
A estatística oficial sobre crimes da direita radical na Alemanha para 2024 [aponta para] mais de 41 mil crimes. Pode-se, mais ou menos, ver aqui a dimensão e a necessidade de se criar uma opinião pública forte contra essas tendências na nossa sociedade, porque isto estraga todas as nossas vidas.