Europa em transição: Do pacifismo à economia de guerra?
31 de março de 2025Não há uma definição oficial de "economia de guerra", mas são muitos os atributos que a caracterizam. Uma economia de guerra significa que um país mobilizou os seus recursos, capacidades de produção e mão de obra para apoiar a preparação e produção militar antes ou durante a guerra.
A mudança económica mais óbvia é a passagem da produção industrial de bens de consumo para produtos como armas, munições e outros equipamentos militares.
"Além do material bélico tradicional, armas modernas exigem investimentos em tecnologia e serviços digitais, como software, análise de dados, sistemas de satélite e Internet de confiança", explica Penny Naas, especialista em políticas públicas do Fundo Marshall Alemão sediado em Washington, nos Estados Unidos.
Para gerir tudo isto, aumenta o controlo governamental centralizado das indústrias necessárias e da alocação de recursos. Esse controlo permite aos governos redirecionar as matérias-primas para os setores relacionados com a guerra. Outros bens, como o combustível ou os alimentos, podem ser racionados para dar prioridade às Forças Armadas.
Quem beneficia com uma economia de guerra?
"Numa verdadeira economia de guerra, todos os elementos da sociedade são reorientados para a defesa da pátria", afirma Penny Naas. Esta reorientação é dispendiosa e, para a pagar, há normalmente um grande aumento da despesa pública. Isto pode levar a mais empréstimos, inflação, impostos mais altos e menos benefícios sociais.
Armin Steinbach, professor na escola de negócios HEC Paris, defende que as grandes vencedoras são as empresas especializadas em bens militares, tecnologias digitais, informação e inteligência, tecnologia farmacêutica e médica.
"O recurso a economias de guerra pode ser um catalisador para os avanços científicos e tecnológicos", disse Steinbach à DW. "Novos sistemas de comunicação, motores a jato, radares, serviços secretos são beneficiados - e estas tecnologias influenciam outras indústrias", assegura o também membro do Bruegel, um grupo de reflexão sediado em Bruxelas.
Transição para uma economia de guerra
A transição de uma economia civil para uma economia de guerra pode ser lenta ou rápida, consoante a situação. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tinha a vantagem de saber quando ia atacar e preparava-se de antemão. Já os Estados Unidos, o Reino Unido e os outros países aliados tinham menos controlo, sendo obrigados a reagir freneticamente.
A Rússia e a Ucrânia encontram-se atualmente em situações semelhantes. O Kremlin aumentou significativamente as despesas militares, impulsionou a produção de bens militares e implementou controlos de capitais para impedir a saída de dinheiro do país. A inflação está a aumentar e o Governo aumentou a despesa pública para manter a economia civil em funcionamento.
A Ucrânia, que é mais pobre, está numa situação muito mais dramática. Uma vez que é a Ucrânia que está a ser atacada, esta luta pela sobrevivência obrigou a um investimento maior no esforço de guerra. Atualmente, o país gasta 58% do seu orçamento em despesas militares, observou Steinbach.
Tal como a Rússia, a Ucrânia mobilizou mão de obra para apoiar o esforço militar, retirando muitos trabalhadores experientes do mercado de trabalho tradicional. A pedido do Governo, muitas fábricas foram reequipadas para o fabrico de armas e munições.
Que países estão em modo de economia de guerra?
Diversos outros países estão, até certo ponto, em modo de economia de guerra devido a conflitos militares em curso, incluindo Myanmar, Sudão e Iémen, todos palco de guerra civil.
Os conflitos em Israel e Gaza, na Síria, na Etiópia e na Eritreia também causaram perturbações económicas, uma vez que os governos destes países se concentram em esforços militares.
Israel aumentou as suas despesas com a defesa e está a fabricar mais equipamentos militares. Muitos trabalhadores foram recrutados para combater, sendo afastados do mercado de trabalho civil. Para pagar estas despesas, o Governo aumentou o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), os preços dos serviços públicos e os impostos sobre a propriedade.
Rearmar a Europa
A União Europeia viu-se recentemente obrigada a agir devido ao declínio do apoio dos EUA à Ucrânia, à NATO e à Europa em geral.
Esta reviravolta após décadas de apoio dos EUA e a aparente aproximação do Presidente dos EUA, Donald Trump, ao homólogo russo, Vladimir Putin, são particularmente preocupantes para as garantias de segurança transatlânticas.
Os membros da NATO - 23 dos quais fazem parte da União Europeia - já se esforçavam por gastar 2% do seu PIB na defesa. Atualmente, nem mesmo este valor é considerado suficiente.
A 4 de março, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou um plano de defesa no valor de 800 mil milhões de euros (867 mil milhões de dólares). Denominado "Rearm Europe", tem como objetivo reforçar as capacidades militares da UE e inclui um total de 150 mil milhões de euros em empréstimos aos membros do bloco.
Além disso, a flexibilização das regras rigorosas relativas ao défice orçamental permitirá que os países gastem mais, o que poderá significar mais 650 mil milhões de euros em despesas militares nos próximos anos.
Alemanha reforça investimentos militares
Por sua vez, a Alemanha entrou em novo território ao aprovar, a 21 de março, novas regras orçamentais. A partir de agora, o Governo alemão terá mais liberdade para investir em armamento, uma vez que a maior parte das despesas relacionadas com a defesa deixarão de estar sujeitas às regras do défice orçamental. A medida é tão inusitada que pode abalar a política de segurança do continente e exigiu uma alteração na Constituição do país.
Para a Alemanha e para toda a Europa, dar prioridade aos recursos financeiros poderá ser um primeiro passo importante. Penny Naas considera que é também necessário um melhor acesso à energia e uma maior coordenação a nível europeu para contornar um labirinto de estruturas e capacidades nacionais. Os contratos públicos conjuntos e a investigação e desenvolvimento partilhados deverão reduzir os custos.
"A nível político, fala-se muito em aumentar as capacidades militares da Europa, mas ainda estamos numa fase muito precoce", afirma Naas. "A Europa parte de uma posição forte, com fortes recursos fiscais e capacidades de fabrico", conclui.