Europa cada vez mais longe das matérias-primas do Sahel
14 de fevereiro de 2025Mali, Níger e Burkina Faso, países sob liderança militar, abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e fundaram a Aliança dos Estados do Sahel (AES).
O investigador Seidik Abba, do Instituto CIRES, com sede em Paris, explica que a tendência antiocidental e anti-Europa não é nova. "Há muito que existe um desejo de diversificação das relações internacionais nestes países. Porque as relações económicas que existiam com o Ocidente após o fim da era colonial nunca foram equitativas", diz Abba em entrevista à DW.
"As condições foram fixadas unilateralmente pelos países ocidentais.Por exemplo, fixavam os preços das matérias-primas que compravam aos países africanos. E isso era e é visto como injusto em África", lembra.
O Mali, o Níger e o Burkina Faso têm depósitos de ouro consideráveis, mas não só. O Mali também tem petróleo e gás e recentemente abriu duas minas de lítio. Os recursos naturais do Níger incluem urânio, estanho, petróleo e fosfato. Já o Burkina Faso é um dos maiores produtores de ouro de África, mas também tem cobre, zinco, manganês e fosfato.
Lítio do Mali: China ganha a corrida
Agora os tempos mudaram, sublinha o pesquisador Seidik Abba, natural do Níger. E os compradores também são outros.
"Os países africanos encontraram outros compradores para as suas matérias-primas, sejam eles a China, a Turquia ou a Rússia. Tornaram-se mais autoconfiantes e exigem relações que beneficiem ambas as partes", explica.
A China tem estado atenta aos sinais de mudança e as empresas estatais estão a aproveitar todas as oportunidades, por exemplo, em relação à exploração do tão cobiçado lítio.
Em dezembro de 2023, a empresa pública chinesa Ganfeng abriu a mina de lítio de Goulamina, no sul do Mali. Durante os próximos 23 anos, deverão ser produzidas anualmente 500.000 toneladas de concentrado de espodumena, uma das principais fontes de lítio.
A empresa concedeu ao governo do Mali 30% das ações da mina e aos investidores locais do Mali outros 5%. 65% das acções ficarão, assim, na posse da Ganfeng Lithium, que prometeu respeitar rigorosamente a nova lei mineira introduzida pelo governo do Mali em 2023, que prevê uma maior participação nacional em projectos mineiros estratégicos.
A lei mineira do Mali introduzida pelos governantes militares estipula que as empresas malianas devem beneficiar de pelo menos 51% dos contratos de fornecimento, enquanto uma parte das receitas das operações mineiras deve ser utilizada para financiar projectos de infraestruturas locais.
Será que o Ocidente perdeu o comboio?
Gradualmente, também projetos russos vêm sendo lançados por todo o continente. A tendência parece clara: as empresas ocidentais estão a ser forçadas a abandonar o negócio, enquanto atores de outras regiões do mundo estão a ser convidados e cortejados.
No Níger, os governantes retiraram à empresa estatal francesa Orano a licença de exploração da mina de Imouraren, uma das maiores minas de urânio do mundo, em junho de 2024. O Níger pode também retirar aos franceses, a qualquer momento, a licença da mina de urânio de Somaïr, a norte de Agadez.
"Nunca mais voltaremos a ter relações em que um dos dois lados domina", afirma o investigador Seidik Abba, que sublinha, por outro lado, as ligações linguísticas, culturais e históricas que ainda ligam os países do Sahel e o Ocidente.
"Atualmente, há uma ligeira reaproximação, especialmente entre o Mali e a União Europeia (UE)", confirma Ulf Laessing, diretor do programa Sahel na Fundação Konrad Adenauer. "A UE acaba de prolongar a sua missão de formação policial EUCAP Sahel por mais dois anos", lembra.
Além disso, acrescenta, "o ministro da Agricultura do Mali também esteve recentemente em Berlim. Penso que o Mali e os outros países do Sahel compreenderam que não podem prescindir totalmente da cooperação com a Europa."
A UE deve continuar a manter contato com o Mali, Níger e Burkina Faso uma vez que é estrategicamente importante para ambos os lados, defende Laessing.