Entre caos e democracia: Líbia novamente numa encruzilhada
2 de junho de 2025A capital ocidental da Líbia, Trípoli, continua a ser um local de instabilidade. No início de maio, eclodiu a violência entre grupos armados e forças pró-governamentais, depois de o primeiro-ministro, Abdul Hamid Dbeibah, ter emitido um decreto ordenando o desmantelamento das milícias armadas, incluindo o influente Aparelho de Apoio à Estabilização (SSA na sigla em inglês). O líder do SSA foi morto.
De acordo com a ONU, a violência provocou a morte de oito civis em Trípoli. Mais tarde, foram encontrados mais 58 corpos num hospital sob controlo do SSA.
"Os últimos combates em Trípoli, que resultaram em vítimas civis, são uma forte indicação da fragilidade da situação", disse à DW Hanan Salah, investigadora da Líbia e diretora associada da divisão para o Médio Oriente e Norte de África da Human Rights Watch. "A imprudência da guerra que a Human Rights Watch documentou no meio de bairros civis mostra o desprezo flagrante que estes grupos armados têm pelas vidas e meios de subsistência dos civis", afirmou.
País dividido ao meio
Desde 2014, a Líbia está dividida em duas partes, com governos antagónicos localizados no leste e no oeste do país. Uma administração apoiada pelas Nações Unidas, conhecida como Governo de Unidade Nacional, está sediada em Trípoli, no oeste, e é liderada por Dbeibah. O seu rival, conhecido como a Câmara dos Representantes, está sediado a leste, em Tobruk, e é chefiado pelo primeiro-ministro Ossama Hammad. Este é apoiado pelo antigo "senhor da guerra" que se tornou político, Khalifa Haftar.
No leste, Haftar conseguiu consolidar o controlo de várias milícias armadas sob o seu comando, governando com mão de ferro. A oeste, Dbeibah tem tolerado a concorrência de diferentes milícias. De acordo com os analistas, os recentes combates em Trípoli indicam que Dbeibah está agora a tentar fazer o mesmo que Haftar e consolidar o controlo sobre as milícias também no oeste.
Em meados de maio, os combates terminaram ao fim de alguns dias com um acordo não divulgado entre as milícias e a administração de Dbeibah. Seguiram-se protestos populares. A população exigiu a realização de eleições nacionais e o regresso à elaboração de uma constituição: ambos foram há muito tempo interrompidos, quando um processo de paz liderado pela ONU falhou em dezembro de 2021. Milhares de pessoas pediram também a demissão de Dbeibah.
Dbeibah não respondeu a estes apelos. Num discurso transmitido pela televisão, afirmou que "daremos as boas-vindas a todos os que optarem por apoiar o Estado e afastaremos aqueles que recorrem à chantagem e à corrupção. O nosso objetivo é uma Líbia livre de milícias e de corrupção".
Os especialistas acreditam que o principal objetivo de Dbeibah é consolidar o seu poder e a sua influência.
Problemas não resolvidos
"Nos últimos anos, o conflito na Líbia foi congelado à medida que os espólios foram divididos entre os vários intervenientes", disse Tim Eaton, investigador sénior do programa para o Médio Oriente e Norte de África do grupo de reflexão Chatham House, com sede em Londres.
Ao longo do tempo, "estes grupos têm competido entre si para se apoderarem de partes cada vez maiores do Estado líbio", disse à DW.
Num artigo recente para o sítio na internet da think tank, Eaton escreveu que a divergência tinha sido exacerbada em maio passado por "uma disputa sobre o controlo de uma instituição estatal, a Companhia Libanesa de Correios, Telecomunicações e Tecnologia da Informação, que opera valiosos monopólios no setor das telecomunicações".
Na sua opinião, a situação atual é muito perigosa. "Há claramente a ameaça de um deslize para outro surto de guerra civil", disse à DW. Mas, segundo Eaton e outros especialistas, há também alguma esperança.
"A ONU tem a oportunidade de aproveitar este momento para fazer progressos políticos", disse Eaton à DW. "Este conjunto de ações também parece apresentar uma oportunidade para revigorar a via política. Quando ocorreram outros surtos de conflitos significativos em Trípoli, em 2014 e 2020, seguiram-se mudanças políticas", salientou.
Em 2014, os combates em Trípoli acabaram com a divisão do país ao meio. Em 2020, foi lançado um processo político liderado pela ONU para nomear um novo governo.
"Portanto, há claramente uma oportunidade para que isso aconteça novamente", sugeriu Eaton.
Novo roteiro da ONU
A crise deste mês pode "representar uma oportunidade significativa para começar a mudar o curso dos acontecimentos, avançando para a realização de eleições parlamentares e presidenciais", concorda Mohammed al-Dairi, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Tobruk, no leste do país. "O primeiro passo nesta direção é a formação de um governo unificado que ponha fim à divisão institucional que atualmente assola o nosso país", disse à DW.
Entretanto, a Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL(, lançada em 2011 para ajudar a facilitar um processo político que conduza a eleições democráticas na Líbia, publicou um novo relatório que apresenta quatro opções que poderiam servir de roteiro para pôr fim à difícil fase de transição do país.
As opções incluem a realização de eleições presidenciais e parlamentares em simultâneo ou a realização de eleições parlamentares em primeiro lugar, seguidas da adoção de uma constituição permanente. Incluem também a adoção de uma constituição permanente antes das eleições ou, em alternativa, a criação de um comité de diálogo político para finalizar as leis eleitorais e definir a autoridade executiva e uma constituição permanente.
"Os partidos da Líbia devem chegar a um consenso", sublinha Hanan Salah, da HRW. "A crise dos direitos humanos e as divisões políticas na Líbia não serão resolvidas de um dia para o outro", disse à DW. "A realização de eleições livres e justas é uma tarefa difícil atualmente, mas no final do dia, que escolha têm os partidos líbios em disputa?"