Ensino em Moçambique divide ricos e pobres?
23 de julho de 2025Em Moçambique, coexistem dois tipos de ensino: um, frequentado por pessoas com rendimento médio e alto, nomeadamente dirigentes e quadros seniores da administração do Estado; e outro, o público, onde predominam salas de aula precárias e a maioria dos alunos provém de famílias pobres. Muitos encarregados de educação são vendedores informais ou funcionários do Estado com baixos salários.
Na realidade do ensino público, não é raro encontrar três alunos sentados na mesma carteira. O professor Armando, nome fictício, revela que lecciona para turmas com até 70 alunos.Na sua opinião, "as salas não reúnem condições e nem estão pavimentadas. Mas mesmo com dificuldades tentamos trabalhar", reconhece.
Infraestruturas privadas
No Colégio Ília, localizado nos subúrbios de Maputo, a infraestrutura e os recursos foram construídos graças às elevadas mensalidades pagas pelos encarregados de educação.
A diretora do colégio, Antonieta Manhice, orgulha-se do modelo adotado e sublinha a importância de turmas reduzidas para manter a qualidade do ensino.
"Se eu chamo o professor e pergunto pelo aluno X, ele tem que me dizer que o aluno X é isto, porque ele conhece os alunos, chama pelo nome e ele fica feliz e é bom. Agora, se o rácio é de 80, 90 alunos humanamente não é possível", explica.
Francisco Tovela, funcionário de uma ONG, optou pelo ensino privado para o filho, convencido das vantagens.
"Porque lá as condições são bem melhores. O professor consegue circular à vontade, consegue ver bem os alunos, se este fez TPC, mas na escola pública não vale a pena… os alunos sentam no chão", observa.
Escolhas dos dirigentes
Funcionários seniores do Estado, incluindo quadros do próprio Ministério da Educação, também preferem colocar os filhos no ensino privado. Estas instituições oferecem bibliotecas bem equipadas, laboratórios modernos, atividades extracurriculares e visitas pedagógicas a museus e locais históricos.
No setor público, a realidade é diferente. Os alunos são, em grande parte, filhos de trabalhadores com rendimentos baixos - cobradores de chapa, motoristas, guardas e agentes de moeda electrónica.
O professor reformado Amorane Tinga recorda que, nas décadas de 1980 e 1990, lecionava turmas mistas, onde os filhos dos dirigentes estudavam lado a lado com os de famílias comuns.
"Esteve lá a filha de Samora Machel, na [Escola Secundária Francisco] Mayanga e muitos dirigentes tinham lá filhos na Mayanga e Josina [Escola Secundária]. Agora, os dirigentes do sistema fazem de propósito para que o curriculum seja fraco para que os filhos dos populares não tenham capacidade. Não sei se é a ideia, mas sei que grande parte dos nossos alunos não aprendem grande coisa", partilha.
Ensino com duas velocidades
Quando questionado sobre o motivo da separação, Amorane Tinga avança uma hipótese:
"Se calhar por terem maior capacidade financeira, mas em algum momento sabemos que há escolas privadas que usam curriculum internacional por isso os pais preferem meter os filhos aí porque dão maiores garantias de formação", reflete.
As críticas ao ensino público são várias: desde a falta de qualidade até ao facto de muitos alunos chegarem à décima classe sem saber ler ou escrever. No entanto, algumas instituições privadas têm procurado soluções alternativas. É o caso do Colégio Ília, onde Antonieta Manhice destaca iniciativas inovadoras.
"Temos um exemplo de uma biblioteca a que chamamos biblioteca móvel. É formada pelas próprias crianças. Há tantos livros à venda na rua, compra e dá ao seu filhinho para ele se habituar a amar o livro", conta.
Privatização criticada
Para Marcos Mulima, vice-presidente da Associação Nacional dos Professores (ANAPRO), a privatização da educação é um erro estratégico.
"Porque com a privatização do ensino e a existência de escolas onde se paga para poder garantir o ensino, as elites económicas e políticas do país decidiram mandar os seus filhos para essas escolas e, posteriormente, mandá-los para fora do país", argumenta.