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PolíticaPortugal

Portugal: "A extrema-direita tem estragado o nosso olhar"

19 de maio de 2025

Socióloga luso-moçambicana alerta para a necessidade de estudar, com calma, os resultados das legislativas em Portugal, para perceber o que levou à ascensão da extrema-direita. A imigração foi um tema-chave na campanha.

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Cartaz de campanha do partido Chega, em Portugal
A coligação PSD/CDS venceu as eleições legislativas de domingo em Portugal, com 89 deputados, e os partidos PS e o Chega elegeram o mesmo número de deputados: 58. Mas ainda não são conhecidos os votos da Europa e do resto do mundo Foto: João Carlos/DW

O êxito do partido Chega nas eleições legislativas de domingo em Portugal é um marco histórico.

De acordo com os últimos dados disponíveis, o partido populista terá conquistado 22,56% dos votos, e cerca de 60 assentos, passando provavelmente a ser o segundo partido em Portugal, à frente do Partido Socialista, depois de contabilizados, nos próximos dias, os votos dos círculos eleitorais na Europa e no resto do mundo.

Para alguns observadores, este resultado é uma desastre político que poderá pôr em causa a própria democracia, outros consideram que a ascensão do Chega é a democracia a funcionar.

Em entrevista à DW África, a socióloga Sheila Khan, de origem moçambicana, diz que é preciso estudar com calma o que aconteceu no domingo. A professora universitária e investigadora na Universidade Lusófona do Porto diz, no entanto, que o Chega já conseguiu uma coisa: "manipular e, acima de tudo, estragar o nosso olhar" em relação ao tema migração.

DW África: O resultado das legislativas de ontem é motivo de preocupação para os portugueses com raízes em África?

Sheila Khan (SK): Desde ontem, estou muito atenta aos resultados das eleições, não só como cidadã, mas também como professora, docente, investigadora e socióloga. Ao invés de corrermos atrás das nossas emoções - porque somos todos humanos e estes são, efetivamente, resultados que nos abalaram - é preciso alguma serenidade, prudência e, acima de tudo, cuidado para estudarmos com calma o que está por detrás destes votos.

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DW África: Como luso-moçambicana, como explicaria aos africanos, nos PALOP, o que aconteceu ontem em Portugal?

SK: Esta viragem à direita em Portugal é algo que inquieta a ideia de fraternidade, de hospitalidade e de acolhimento ao outro. Mas quem é o outro que chateia, incomoda e é o "elefante na sala"?

Estamos a falar da imigração, que foi um dos temas cruciais desta campanha – a emigração de pessoas do Bangladesh, do Paquistão e de outros países que não estão relacionados com a nossa historicidade e são devolvidos a este lugar de perigo e instabilidade. A extrema-direita tem conseguido manipular e, acima de tudo, estragar o nosso olhar.

DW África: Há, por exemplo, afrodescendentes que votaram no partido Chega. Como explica isto?

SK: Nós temos de perceber que os afrodescendentes são, como qualquer grupo social, diversos. É uma grande ilusão da nossa parte, como africanos e afrodescendentes, achar que todos nós fazemos parte da mesma experiência e que olhamos todos para o mesmo lugar. Não é verdade.

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Nós temos duas afrodescendentes em dois partidos diferentes. Temos uma luso-angolana, líder da Nova Direita, e depois temos, noutro quadrante, uma outra luso-angolana. Isso obriga-nos a ter a capacidade de perceber que nós já somos muitos. Estamos aqui há muitas décadas. Nessa multiplicidade há diversidade e diferença. E nós temos de compreender porque é que alguns de nós abraçaram o Chega, e que tipo de linguagem é que seduz no Chega, e porque é que outros abraçaram outros quadrantes políticos.

Hoje em dia, fixarmo-nos em caixinhas e, acima de tudo, em rótulos, vai-nos levar para a ignorância, cegueira, inabilidade e incapacidade de perceber a realidade de hoje e, gradualmente, poder ler o futuro de amanhã.