Dívidas Ocultas: Onde estão os ativos recuperados?
19 de junho de 2025Armando Ndambi Guebuza e Ângela Leão, algumas das "pedras angulares" do escândalo das dívidas ocultas em Moçambique, já respiram o ar de liberdade, depois de terem estado na cadeia por quase sete anos. Saíram na terça-feira (17.06) em liberdade condicional, por terem alegadamente cumprido metade da pena a que foram condenados pela justiça moçambicana.
Para o Fórum de Monitoria e Orçamento (FMO), uma organização não-governamental moçambicana, para além de discutir a saída em liberdade em si, é preciso questionar: "O que é que o Estado já recuperou de ativos deste processo?".
Jorge Matine, coordenador da organização, defende o reforço da legislação para garantir a recuperação dos produtos da corrupção.
DW África: Qual é a reação do FMO à libertação condicional dos arguidos no caso das dívidas ocultas?
A nossa grande preocupação nisso tudo é: como foi conduzido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para a recuperação dos ativos das pessoas que estiveram envolvidos em atos de corrupção, que lesaram o Estado. Como é que o Estado vai ser indemnizado neste processo? O que é que a Procuradoria já conseguiu recuperar como ativos?
Há outros processos paralelos que estão a decorrer e que até agora não temos informação sobre o seu andamento. Mas para nós, como FMO, o que nos preocupa é: quais são os mecanismos de recuperação de ativos que estão envolvidos?
DW África: E, nesse caso, essa vossa preocupação também tem que ver com aquela ideia de que os arguidos podem ter sido detidos, sim, mas no fim do dia continuam com os produtos do crime, ou seja, os ativos que não foram recuperados em benefício do Estado?
JM: Sim, porque até agora a PGR não veio dizer com muita clareza o que conseguiu recuperar e o que não conseguiu. Essa é a resposta pela qual os moçambicanos estão à espera. Os arguidos cumpriram a pena, mas o Estado devia ser ressarcido pelos prejuízos causados. O Estado conseguiu ter ou não esse ressarcimento?
DW África: Quando o julgamento das dívidas ocultas em Moçambique começou, houve quem achasse que era "um teatro”, tendo em conta a forma como o processo estava a ser conduzido. Tendo chegado aqui com essas libertações, acredita que os cidadãos voltarão a acreditar no país, na justiça? Na ideia de que quem se envolver em atos de corrupção será responsabilizado?
JM: Eu penso que primeiro, a ideia de Moçambique fazer um julgamento público na imprensa, e depois as pessoas serem condenadas e ficarem na prisão, este também é um é um processo dissuasor de casos de corrupção. As pessoas sabem que, independentemente da posição que ocupem na sociedade, vão sentar-se banco dos réus. Isso é o factor dissuasor.
Depois, essas pessoas que estiveram envolvidas nisso vão sair, mas vão viver aqui connosco. Lógico que elas sabem que nós sabemos que estiveram envolvidas nos escândalos das dívidas ocultas, práticas que lesaram o Estado. Mas podem alegar: já cumprimos a pena, estamos arrependidos, voltámos à sociedade.
Mass há outros fatores: será que a forma como foi conduzido o julgamento vai ser um fator dissuasor para que novos casos não possam surgir? Esta uma pergunta que devemos fazer como sociedade. Há desconfiança. Esse é um exercício enorme que como sociedade devemos fazer. As instituições de justiça devem criar precedentes, na jurisprudência, que desencorajem casos futuros de corrupção. Que as pessoas sintam que se se envolverem em casos do género serão condenadas. E depois vivermos numa sociedade em que é preciso reformas na justiça para devolver a confiança nas instituições.