Duas afrodescendentes concorrem às legislativas em Portugal
13 de maio de 2025Duas mulheres afrodescendentes estão entre os rostos que se destacam na corrida às legislativas antecipadas de 18 de maio, em Portugal. Eva Cruzeiro, rapper e ativista, estreia-se na política pelo Partido Socialista (PS). Ossanda Líber, empresária, lidera o recém-criado partido Nova Direita (ND).
Ambas têm origens luso-angolanas, mas projetos políticos distintos. O que está em jogo com estas duas candidaturas?
"Não poderia ficar indiferente"
Nasceu em Portugal, mas é de origem angolana. Eva Cruzeiro, 36 anos, entrou recentemente na política. Está na oitava posição da lista de candidatos efetivos do PS pelo círculo de Lisboa, encabeçada por Mariana Vieira da Silva. "Eu sou alguém que está aqui apenas com o interesse de poder contribuir e representar pessoas que não se veem representadas na política", declara à DW.
Conhecida no mundo artístico como Eva RapDiva - premiada nos Angola Hip Hop Awards de 2014 - é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais, com pós-graduação em Gestão Financeira e Direitos Humanos. Eva Cruzeiro, também apelidada de Rainha Ginga do Rap, afirma não ter ambições pessoais no percurso político, tendo em conta o "respeito" e o "reconhecimento" já alcançado com a sua carreira artística.
Eva destaca-se como uma mulher de convicções. "Não poderia ficar indiferente ao que se está a passar em Portugal e no mundo", menciona, apontando o crescimento da extrema-direita, o racismo, a xenofobia e o discurso de ódio.
"Estamos numa fase de retrocesso, onde a violência contra as mulheres e contra as pessoas mais vulneráveis tem crescido bastante. É por isso que eu estou aqui. E acho que essa é a minha diferença em relação aos outros candidatos", observa.
"Mensagem de união"
Nascida em Angola, Ossanda Líber, 48 anos, presidente do partido Nova Direita, formalizado em 2024, viveu em França antes de se fixar em Portugal. Tentou a licenciatura em Direito, sem a concluir. Já tem alguma experiência política: foi candidata à Câmara Municipal de Lisboa nas autárquicas de 2021 pelo movimento cívico "Somos Todos Lisboa”. Antes disso, passou pela vice-presidência do partido Aliança, pelo qual concorreu nas legislativas de 2022, no círculo da Europa.
Mulher de negócios, reaparece agora à frente do ND, que se apresenta como o partido das famílias, a disputar um lugar no Parlamento.
Ossanda Líber quer ver os imigrantes mais envolvidos na vida cívica do país, como parte do processo de integração. "Tenho tido vários encontros com pessoas das comunidades afrodescendentes e tenho transmitido essa mensagem: ‘Vocês não têm noção da ferramenta que têm nas mãos e que não usam, que é a política'. Então, estas mensagens todas são as que pretendo trazer: uma mensagem de união, sobretudo", salienta.
Segundo a candidata, a Linha de Sintra "é uma zona que precisa muito da Nova Direita" na Assembleia da República. "Como é que alguém pode ter uma visão para o país se não tiver uma ideia clara da forma como se deve abordar a imigração? Não há cá brancos e pretos. Isso não existe no meu dicionário", justifica.
A candidata, que também possui nacionalidade francesa, procura afastar-se do discurso do partido Chega. Diz não ser contra a imigração, mas defende regras claras. E endurece o tom contra comportamentos que considera abusivos. "Nenhum país precisa de criminosos que vêm de fora", argumenta.
De acordo com a candidata, a imigração "corre mal" quando "pessoas de longe, que não têm nenhuma ligação com este país, vêm só para vir buscar um passaporte". Considerando "inaceitável", Ossanda Líber diz ainda que "é preciso que os afrodescendentes percebam que são eles os primeiros a sofrer com a desorganização".
"Racismo estrutural e institucional persiste"
Tanto Ossanda como Eva estão nas ruas na reta final da campanha eleitoral pelos respetivos partidos, na tentativa de convencer os eleitores a apoiarem os seus projetos no dia 18 de maio.
A socióloga Luzia Moniz considera que a presença quase inexistente de negros afrodescendentes nos cargos políticos de topo em Portugal está relacionada com o racismo estrutural e institucional que persiste na sociedade portuguesa.
"Nós vimos ainda há bem pouco tempo, quando foi do anúncio das listas do Partido Socialista e a inclusão da Eva Cruzeiro nessas listas, como isso foi uma notícia por um lado. Mas, por outro lado, um alarido do lado da extrema-direita. Isto já não devia ser notícia, devia ser normal, nesta sociedade onde os negros e afrodescendentes têm uma percentagem elevada", ressalta.
Entre outras razões, Luzia Moniz refere que a sub-representação dos afrodescendentes na política também se explica pela ausência nos media portugueses. E aponta outro fator: "Nenhum dos partidos políticos tem uma pauta de igualdade racial, contrariamente ao que acontece, por exemplo, no futebol".
Segundo a analista angolana, o país desperdiça o potencial de uma parte significativa da população. "Há um segmento valioso da sociedade [portuguesa] em que o país investiu, cujas capacidades técnicas, científicas, intelectuais e políticas são subaproveitadas. E isto tem sempre um custo económico também", finaliza.