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Do conforto às ruas: Quem protestou em Moçambique?

25 de junho de 2025

Num Moçambique desigual e com um Estado distante, a classe média urbana rompeu com o partido no poder, a FRELIMO, durante os protestos pós-eleitorais. Mas parece ter regressado à sua zona de conforto.

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Moçambique | Forças de segurança em Maputo
Será que a classe média abandona a FRELIMO?Foto: AMILTON NEVES/AFP

O Observatório do Meio Rural (OMR) realizou um "mapeamento" de perfis na sua mais recente publicação. Segundo o estudo, a classe média privilegiada, que sempre viveu numa bolha e orbitou em torno do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), "saltou do barco" ao perceber que os seus privilégios estavam em risco.

Face a uma eventual visão reducionista do Governo sobre a violência perpetrada por populares — frequentemente rotulados como vândalos — o investigador da ONG João Feijó denuncia uma tentativa de "desmoçambicanização" das massas. No entanto, lembra que a própria FRELIMO teve uma génese semelhante.

DW África: O que levou a classe média a juntar-se aos protestos depois das eleições gerais de outubro?

João Feijó (JF): Nas grandes cidades, as classes médias estavam muito descontentes — sobretudo os indivíduos que trabalham para o Estado, insatisfeitos com a Tabela Salarial Única (TSU), além de empregadores, como os donos de lojas no centro da cidade, que enfrentam problemas como a corrupção, os raptos e o oportunismo do Estado. Até mesmo as elites mais escolarizadas, mais conscientes dos problemas de governação, desejam uma mudança.

O problema surgiu quando a situação começou a sair do controlo. A simpatia que existia entre as classes urbanas — que chegaram inclusive a participar nos "panelaços" — começou a esmorecer. Quando sentiram que a sua segurança estava em risco, recuaram e perceberam que o protesto estava a ficar fora de controlo.

DW África: As populações são quase sempre catalogadas pelo Governo da FRELIMO como vândalos ou criminosos. Esta não será uma visão redutora por parte das autoridades, sobretudo se considerarmos a degradação das condições de vida da população?

JF: Sempre que há protestos, há uma tendência para "desmoçambicanizar" o protesto — ou seja, vendo-o como algo manipulado por forças externas ou como sendo protagonizado por indivíduos violentos. Isto demonstra que a FRELIMO não convive bem com opiniões divergentes nem com o protesto. A FRELIMO não permite espaços formais de participação, pois controla e partidariza tudo. Isso leva as pessoas a sentirem que a violência é a única forma de participação.

Por outro lado, a própria FRELIMO nasceu de um movimento armado de guerrilha, mas, 50 anos depois, tornou-se um partido conservador que se esqueceu por completo dos ideais da independência — nomeadamente, a libertação do Homem e da Terra.

Joao Feijó, Investigador no Observatório do Ambiente Rural
Joao Feijó: "A FRELIMO não permite espaços formais de participação [...] Isso leva as pessoas a sentirem que a violência é a única forma de participação"Foto: DW/L. Matias

O que está a acontecer hoje é um prolongamento desse mesmo conflito, agora com atores diferentes, e demonstra que a FRELIMO ou não compreende o que se passa, ou recusa-se a assumir essa realidade.

É também importante notar que, em Maputo, existe uma avenida chamada Avenida Guerra Popular. A transição do socialismo para uma economia mais de mercado esqueceu-se de eliminar ou substituir o nome dessa rua, que simboliza uma guerra permanente contra uma população que não se revê no partido no poder.

DW África: A classe média moçambicana ainda tem receio de arriscar em nome da justiça e dos seus direitos. Será que prefere, talvez, manter-se na sua zona de conforto?

JF: As classes médias urbanas floresceram muito na órbita do partido FRELIMO, pois historicamente estiveram muito ligadas ao Estado. Eram uma espécie de "classe-Estado" e foram os grandes beneficiados com a independência, tendo acedido às casas após as nacionalizações.

Hoje, a população das grandes cidades, mais escolarizada, encontra outras saídas profissionais, como nas ONG, no setor privado — e o Estado já nem é um bom empregador, pois paga salários muito baixos. Há um grande descontentamento. Todos estes fatores fazem com que a população sinta um divórcio em relação ao partido FRELIMO, sobretudo porque as classes médias foram as mais afetadas pelo escândalo das "dívidas ocultas". Sentiram uma grande perda do poder de compra e, por isso, estão claramente descontentes com o partido. Isto não significa, no entanto, que estejam dispostas a participar em cenários economicamente suicidas.

DW África: Acredita que a FRELIMO retaliou contra os seus membros que se juntaram à causa popular nas últimas manifestações?

JF: Hoje em dia, a FRELIMO é um grupo muito isolado, com poucas bases e sem representatividade social. O núcleo duro do partido é composto por indivíduos bastante fanáticos, que dependem da permanência da FRELIMO no poder para sobreviver economicamente. Os restantes apoiam o partido contrariados, com medo de represálias.

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Jornalista da DW Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África