Diálogo em Moçambique: "Sinto que estamos a ser burlados"
31 de março de 2025A proposta de lei para o diálogo político nacional - assinada pelo Presidente da República e nove partidos políticos, e submetida à Assembleia da República - está a ser alvo de críticas no país.
Os signatários indicam como principais pontos a levar para a mesa de diálogo nacional a revisão da Constituição, nas componentes da reforma do Estado, do sistema de Justiça e do sistema eleitoral. Também defendem algumas reformas na governação do país, com destaque para a reforma fiscal, aprimoramento do sistema de defesa e modernização da administração pública, entre outros aspetos.
No entanto, para os críticos, o documento não conseguiu captar a maior parte dos pontos prioritários da sociedade moçambicana. Em entrevista à DW, o jornalista e ativista social Zito Ossumane questiona, por exemplo, o que é que o Executivo de Daniel Chapo pensa sobre o aumento do custo de vida em Moçambique, por entender que "falta comida no prato dos cidadãos".
Os custos propostos para a materialização do diálogo nacional (orçado em 91 milhões de meticais, o equivalente a 1,3 milhões de euros) também levantam muitos questionamentos. À DW, Zito Ossumane sentencia que há mais interesse em resolver os problemas financeiros de algumas pessoas do que tratar dos assuntos do país.
DW África: Esta proposta de lei conseguiu captar grande parte das demandas da maior parte da população moçambicana?
Zito Ossumane (ZO): Há muitas questões básicas e prementes para a sociedade moçambicana. Não há comida no mercado. Para o cidadão comum, a alimentação está difícil. Então, como é que o Estado, as organizações políticas, visualizam isto antes de discutirmos as questões mais estruturantes? E quem diz isso, diz outras coisas.
É verdade que há coisas que, por exemplo, o ex-candidato [presidencial Venâncio Mondlane] reivindicou, e muitas das revindicações que ele foi fazendo poderiam ter sido aproveitadas, mas elas não foram incorporadas. Seria elegante incluir essas ideias – independentemente da sua origem – para depois se trabalhar afincadamente na solução.
DW África: Olhando para o documento, outra questão verificada tem a ver com o extenso timing indicado para a resolução desses problemas. Não seria importante, neste momento, discutir o país e garantir que as mudanças que a sociedade moçambicana tem vindo a exigir sejam implementadas urgentemente?
ZO: É um pouco difícil compreender a lógica por detrás da estrutura, mas eu acredito que o modelo da Comissão Técnica, como ela foi feita ou como se espera que venha a ser, está mais virado para resolver problemas de natureza financeira ou beneficiar estes opositores do partido FRELIMO. Porque são contas milionárias. As pessoas que vão fazer parte dessa comissão terão muito dinheiro. Sendo assim, faz algum sentido, e seria até no interesse dessas pessoas, que este processo seja o mais vagaroso possível, porque há benesses por detrás disso.
Dá a sensação de que estamos a ser burlados, enquanto moçambicanos. Um grupo de pessoas foi sentar-se à mesa e definiu, em nosso nome, que quer resolver os problemas do país. Mas o timing é problemático para situações urgentes, que têm a ver com o retorno à vida normal depois dessas convulsões sociais e políticas que tivemos.
DW África: Mas há quem diga que esse período longo tem que ver com a abrangência que este diálogo nacional pretende ter…
ZO: Não concordo. É preciso ser muito corajoso para resolver as coisas. Esta abrangência é um pouco de hipocrisia, porque há exclusão naquela comissão – e as grandes decisões daquela comissão vão sempre recair no Presidente da República. Então, não concordo com essa perspetiva.
DW África: A comissão deverá ser integrada por 21 pessoas. Os partidos políticos deverão indicar duas pessoas e a sociedade civil deverá indicar, pelo menos, três membros. Mesmo isso não o convence?
ZO: Não, não convence, porque, na Comissão Nacional de Eleições, quando trazemos essa tal dita "sociedade civil", trata-se de membros de partidos políticos camuflados na estampa da sociedade civil para cumprir determinados propósitos, fazendo número e criando um quórum de decisão suficiente para beneficiar o partido FRELIMO ou o Governo.