Descentralização: Revisão da legislação "é passo positivo"
5 de agosto de 2025O Governo de Moçambique anunciou que está a rever a legislação para reduzir os poderes dos secretários de Estado nas províncias, para evitar a duplicação de funções administrativas e de gestão.
A ideia, diz o Governo, é garantir que ao nível da província haja um representante de Estado e que se evite "uma máquina administrativa pesada concorrente com os órgãos executivos”.
Em entrevista à DW, o pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP), Ivan Maússe, diz que é "um passo positivo". Maússe defende que se mantenha a figura do secretário de Estado provincial desde que sejam devolvidas "todas as competências executivas ao Governo de província", evitando assim a "sobreposição de competências".
DW África: Como foi a experiência com a criação do cargo de secretário de Estado nas províncias moçambicanas no âmbito da descentralização?
Ivan Maússe (IM): O que se notou foi que, ao longo do primeiro ciclo de governação descentralizada provincial, esta figura que foi criada com vista ao exercício de funções exclusivas e de soberania acabou por exercer igualmente funções executivas que, nos termos da lei, cabem ao governador de província.
Portanto, é um passo positivo. É o reconhecimento de que, afinal de contas, a primeira experiência da implementação deste novo modelo de governação descentralizada falhou.
DW África: E, no seu entender, qual seria o melhor modelo a ser adoptado?
(IM): Das várias vezes que o CIP teve de propor o modelo de governação provincial, e também com base naquilo que foram as recomendações que a CFREMOD (Comissão de Reflexão sobre o Modelo de Governação Descentralizada de Moçambique) apresentou, que são produto dessas auscultações públicas que esta comissão foi realizando, é de que se pode manter, sim, a figura de secretário de Estado da Província, mas devolvendo-se todas as competências executivas ao Governo de província.
Porque nós entendemos que quem faz a campanha eleitoral é o Governo da província que encabeça uma lista e faz um conjunto de promessas.
Então, o secretário de Estado, que é uma figura muito bem criada nos termos da Constituição da República, deve exercer funções exclusivamente de soberania e aquelas que não podem ser objeto de gestão por parte dos órgãos descentralizados.
DW África: Outro ponto em questão é a autonomia financeira dos Conselhos executivos provinciais em termos de gestão orçamental e para o próprio orçamento anual aprovado pelo Parlamento, pode também ser positivo?
(IM): Eu penso que sim. Porque, primeiro, se nós reconfigurarmos o modelo que nós temos aqui vigente, claramente que mesmo a própria estrutura do secretário de Estado vai reduzir, porque neste momento o Estado conta com praticamente nove departamentos, ou seja, nove serviços de representação do Estado a nível da mesma província. Ou seja, isto é muito. Em cada um desses serviços, nós encontramos recursos humanos vastos. Encontramos também que muitos custos são feitos para poder pagar salários, para poder garantir as despesas de funcionamento.
Então, nós entendemos que quando se devolvem as competências executivas ao secretário de Estado, naturalmente isso fará com que haja também redução da própria estrutura do secretário de Estado.
Isso pode, de certa forma, impactar naquilo que é o próprio orçamento.
DW África: A redução de poder dos secretários provinciais e essa reforma potencializa o sistema de governação descentralizada?
(IM): Eu penso, que quando se devolve os poderes executivos ao Governo de província, a província fica cada vez mais e mais forte – uma vez que as decisões a nível da província poderão ser feitas por aquele que melhor conheço a província, por aquele que melhor gere a província. Porque o governo da província faz uma campanha eleitoral e, muitas vezes, o governo de província é saído da província. Diferentemente, por exemplo, do secretário de Estado, que é nomeado a nível central - alguém que por muito tempo trabalhou na província de Maputo ser indicado para ser secretário do Estado numa província como Niassa, como Zambézia. E este indivíduo não conhece com perfeição os problemas locais.
Então, quando se devolvem os poderes executivos ao governador de província, este indivíduo que fez campanha eleitoral e que melhor conhece os problemas da província, ele tem autonomia financeira, autonomia administrativa. Então os problemas locais poderão conhecer ou ter melhor resposta, se comparado ao atual sistema em que nós nos encontramos.