Crise pós-eleitoral: Qual o papel dos régulos na Zambézia?
15 de maio de 2025Régulos comunitários de vários distritos da Zambézia, centro de Moçambique, vivem em ambientes conturbados. A população acusa-os de terem influenciado a atuação da polícia durante as manifestações pós-eleitorais que causaram várias mortes e desaparecimentos.
Na década de 2000, a figura do líder comunitário – régulo que usa trajes à semelhança dos agentes da polícia – começou a ser notória, principalmente quando Armando Guebuza assumiu a Presidência da República.
Agora, a população diz não acreditar no papel do régulo comunitário, alegadamente por serem mais leais à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, ao invés de facilitar o diálogo e buscar soluções para os problemas que retardam o desenvolvimento das comunidades locais.
Desde janeiro deste ano, as relações entre os régulos e a população estão arruinadas em algumas localidades. Há críticas, e até queixas, de que terão incentivado a polícia a desencadear incursões violentas contra as comunidades nas manifestações pós-eleitorais.
Um cidadão residente no posto administrativo de Macuaro, no distrito de Gurué, a norte da província da Zambézia conta à DW um dos episódios por que passou. "Polícias começaram a disparar. Eu fiquei três dias sem comer só a pensar e a chorar". Mais adiante, lamenta: "o próprio régulo daqui é que nos está a vender". E acrescenta: "nesse dia nós não sabíamos que o próprio régulo ligou para a polícia, começou a falar algumas coisas e a polícia começou a disparar."
Campanha de destituição de régulos
No distrito de Derre, localidade de Guriça, a sul da província, a população desencadeou recentemente uma campanha de destituição de régulos com alegações de que estariam a agir a favor do partido FRELIMO e não em prol dos interesses da população.
Atualmente o clima é de insegurança, segundo relata um morador que não se quis identificar por motivos de segurança. "Há confusão, não existe uma boa relação entre os régulos e a população", desabafa. "Agora, os régulos identificam os indivíduos que estavam ligados às manifestações e daí entregam os nomes [à polícia], " acrescenta.
"Os mesmos são capturados para fins que não sabemos e a população fica a reivindicar pelo desaparecimento das pessoas", denuncia. "Por exemplo, o régulo daqui não fica numa casa fixa. Uma noite dorme aqui e noutra dorme ali e sucessivamente por causa do medo que ele está a ter", complementa o referido morador.
Cahocha, um líder muito influente no distrito de Inhassunge, diz não ter problemas com a população da sua comunidade e que mesmo sendo da FRELIMO nunca foi denunciado por más práticas. "Trabalhei 20 anos na FRELIMO, no regulado não há partido", dá conta.
"Quando há problemas as pessoas vêm queixar-se aqui. Não sei como é noutros distritos, mas aqui os secretários continuam ainda como secretários. Aqui em Namitange, distrito de Inhassunge, a relação com a população é muito boa", confirma.
Espelho da comunidade?
Para a ativista social Achima Mussa, o régulo é um espelho da comunidade. "É no régulo que nós como munícipes nos inspiramos. Geralmente quando há uma complicação nós corremos para consultar um régulo. Um régulo não deveria demonstrar publicamente a sua filiação partidária", revela.
Por seu lado, o analista Laurindo Verde afirma que é normal e é um facto histórico que os régulos sejam leais à FRELIMO. "A situação atual de Moçambique é atípica tanto mais que coloca o régulo numa situação de descrédito", afirma, considerando "normal que o poder político se case ou se relacione com o sistema de regulado por questões contratuais".
Explica, de seguida, que "o governo do dia é suportado por um partido que leva o tal régulo a não conseguir se distanciar das suas formas de atuação". Laurindo Verde lembra, por outro lado, que no regime colonial "também os régulos colaboraram no sistema de exploração dos homens africanos."