Conflitos na RDC e Cabo Delgado: Solução está na política?
17 de junho de 2025A crise na República Democrática do Congo (RDC) e a instabilidade persistente na província de Cabo Delgado, em Moçambique, continuam a ser dois dos focos de violência mais preocupantes no continente africano. Para o consultor moçambicano João Bernardo Honwana, especialista em questões de paz e segurança, a resolução desses conflitos exige, acima de tudo, vontade política das partes envolvidas e determinação por parte das autoridades nacionais, especialmente no caso moçambicano.
Em entrevista à DW, Honwana alerta para o risco de perpetuação dos conflitos, caso não haja uma assunção clara da responsabilidade por parte da governação de Moçambique no que toca à crise em Cabo Delgado, sustentou.
Segundo o antigo representante do secretário-geral da ONU na Guiné-Bissau, África continua a ser palco de múltiplos conflitos armados, com a situação na RDC a destacar-se pela sua gravidade. "Infelizmente, temos esses casos e não me parece que estejamos a ser capazes de os resolver a contento”, afirmou.
Falha estrutural
Para Honwana, o caso da RDC evidencia as dificuldades de construir um Estado antes de se consolidar a identidade nacional entre os seus cidadãos. Ele teme que, sem atenção ao contexto interno, as condições para a resolução do conflito apenas se agravem.
"Por causa da falta de atenção ao contexto eu imagino que a solução fique cada vez mais distante. E isso é mau porque impede o desenvolvimento de nações, Estados e países que estão unidos, que são coesos, onde existe a harmonia, onde as pessoas se reconhecem umas às outras como pertencentes a uma determinada nação e isto ainda não está a existir como deve ser”, explicou.
Essa ausência de coesão, segundo o consultor, bloqueia qualquer tentativa séria de desenvolvimento. "E as pessoas nem sequer estão a focar a sua energia, a sua inteligência, nesse processo porque estão a resolver outros problemas que não fazem parte da agenda da comunidade internacional”, acrescentou.
Num painel recente sobre "Estado e Conflitualidade em África”, realizado em Lisboa e moderado pelo especialista Fernando Jorge Cardoso, Honwana destacou que a paz só será possível quando os próprios envolvidos se comprometerem com ela. "Os donos do problema têm que ser capazes, têm que estar realmente interessados, investidos em fazer a paz, senão a paz não acontece”, afirmou.
Apesar das dificuldades, Honwana manifesta esperança nas atuais iniciativas de diálogo inclusivo em Moçambique. "Tenho muita esperança”, referiu.
Caminhos da paz
A RDC continua a ser palco de intensos confrontos, sobretudo nas províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul, onde operam mais de 300 grupos armados, segundo dados das Nações Unidas. Ainda assim, Fernando Jorge Cardoso considera que o conflito não é interminável.
"Uma segunda mediação que ainda está em curso, de certa maneira, é a do Qatar. É um país de que não se fala muito mas é um dos mais ricos, com mais capacidade financeira do mundo, com um interesse em toda a indústria energética dos hidrocarbonetos – tem a maior reserva de gás do mundo – e é um país que tem uma capacidade diplomática bastante grande. Só para lhe dar uma ideia, é dos países que mais investe em África neste momento”, sublinhou.
Cardoso acredita que os resultados decisivos da mediação para a paz na RDC virão do envolvimento direto de potências como os Estados Unidos, França e Bélgica.
Quanto a Cabo Delgado, Honwana alerta para a origem política do conflito, e não apenas militar, como muitas vezes é retratado. "Porquê? Porque em Cabo Delgado existem populações que se identificam muito mais com uma doutrina fundamentalista islâmica importada de fora do que com a realidade moçambicana”, observou.
A solução, segundo ele, deve ser interna e inclusiva. "É um problema político. E as soluções para este problema político têm que ser encontradas pelos moçambicanos, em conjunto, falando uns com os outros, aprendendo uns dos outros e respeitando-se mutuamente”, afirmou.
Cardoso também acredita na possibilidade de resolver o conflito rapidamente, desde que haja vontade política. "Uma gestão que tome em atenção os interesses e as necessidades da população de Cabo Delgado e que corte o apoio que, apesar de tudo, existe por parte dessa população aos chamados insurgentes”, defendeu.