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Conflito na RDCongo: Por que a paz continua ilusória

Mimi Mefo
27 de março de 2025

Angola recuou no papel de mediador no conflito da RDC, o que gera novas incertezas. Desafios como a indefinição de papéis, problemas de financiamento e influências externas dificultam o processo de paz.

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Lourenço e Tshisekedi
A decisão de Angola de suspender a mediação surge em meio a uma crescente frustração com o impasse no processo de paz no leste da RDC.Foto: Amanuel Sileshi/Fabrice Coffrini/AFP/Getty Images

O conflito em curso na República Democrática do Congo (RDC) atingiu um momento crítico. 

Isto ocorre após a recente retirada de Angola como mediador-chave e a formação de uma equipa internacional de mediação alargada. O Presidente angolano, João Lourenço, que liderava os esforços de mediação, anunciou recentemente o seu afastamento, justificando-o com a necessidade de se concentrar na presidência rotativa da União Africana (UA). 

No entanto, a presidência angolana esclareceu que Lourenço não abandonou completamente o processo de paz. Em vez disso, pretende facilitar a escolha de um novo mediador principal, que contará com o apoio da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da Comunidade da África Oriental (EAC). 

"Angola reconhece a necessidade de se libertar da responsabilidade de mediar este conflito para poder concentrar-se de forma mais abrangente nas prioridades gerais estabelecidas pela organização continental", afirmou a presidência em comunicado.

Frustração alimenta pessimismo 

A decisão de Angola de suspender a mediação surge em meio a uma crescente frustração com o impasse no processo de paz no leste da RDC. 

Um dos principais reveses foi o cancelamento das negociações previstas para Luanda a 18 de março, após o grupo rebelde M23 se ter retirado em protesto contra as sanções impostas pela União Europeia. 

Ao mesmo tempo, umareunião surpresa mediada pelo Qatar entre o presidente da RDC, Félix Tshisekedi, e o presidente doRuanda, Paul Kagame, resultou numa declaração conjunta apelando a um cessar-fogo "imediato e incondicional", mas não conseguiu travar a violência. 

"As negociações foram abortadas 'devido a uma combinação de fatores, incluindo alguns elementos externos não relacionados com o processo africano em curso'", afirmou a presidência angolana, numa aparente referência à reunião no Qatar. 

Sete razões da continuação do conflito no leste da RDCongo

Ako John Ako, analista político dos Camarões, expressou cepticismo quanto à possibilidade de uma paz duradoura, apontando para a história turbulenta da RDC e para a persistente influência de forças externas. 

"Africanos e o mundo em geral devem saber que a crise no Congo é tão antiga quanto o próprio país. Desde o assassinato de Patrice Lumumba, os interesses dos europeus e de muitas outras nações ocidentais decidiram dividir essa nação", disse Ako à DW. 

Ele argumenta que a vasta riqueza mineral da RDC tornou o país num campo de batalha para interesses internacionais concorrentes, com o Ruanda a desempenhar um papel-chave. 

"O governo ruandês sob Kagame tem sido um ator fundamental para muitos países da União Europeia e até para os interesses americanos", afirmou Ako, acrescentando que qualquer negociação com o Ruanda deve abordar a situação da economia ruandesa, que está em declínio e depende fortemente do conflito.

A busca por um novo impulso 

A situação levou a SADC e a EAC a alargarem a sua equipa de mediação, nomeando cinco antigos chefes de Estado, incluindo Olusegun Obasanjo, da Nigéria, Kgalema Motlanthe, da África do Sul, e Sahle-Work Zewde, da Etiópia. Esta expansão, que visa garantir "inclusão de género, regional e linguística", faz parte de um esforço renovado para encontrar uma solução política. 

No entanto, persistem desafios. O analista político congolês Bob Kabamba manifesta preocupação quanto à clareza do mandato da nova equipa de mediação e ao seu financiamento. 

"Em primeiro lugar, os papéis desta mediação não foram claramente definidos", disse Kabamba à DW, acrescentando que ninguém sabe exatamente qual será a sua atuação. "A divisão de responsabilidades não está clara. A questão do financiamento também é crucial. Angola gastou muito, e não vejo outro país disposto a assumir e financiar a mediação."

A complexidade do conflito no leste da RDC, enraizada nas consequências do genocídio ruandês de 1994 e na disputa por recursos minerais, está a dificultar ainda mais os esforços de mediação. O analista ganês de políticas e segurança, Fidel Amakye Owusu, disse à DW que a intrincada rede de atores envolvidos representa um grande desafio.

O conflito complexo na RDC 

"O conflito na RDC é extremamente complexo. Envolve inúmeras figuras influentes, grupos poderosos, instituições e países com grande peso, tanto a nível regional como internacional. Isto deve-se ao facto de o país possuir abundantes recursos", afirmou. 

Além disso, Owusu apontou a posição geográfica da RDC como outro grande desafio. 

"O país faz fronteira com nove outros Estados, o que significa que é vasto e que qualquer acontecimento lá tem impacto nas nações vizinhas. Todos estes fatores juntos tornam a situação ainda mais complicada", explicou. 

Owusu também destacou a dimensão étnica do conflito, especialmente a dinâmica entre Hutus e Tutsis, que representa um grande obstáculo para os mediadores. 

"Isso significa que qualquer mediador terá dificuldades em encontrar um equilíbrio ou navegar com precisão neste labirinto", acrescentou. "E quando, com o tempo, o mediador não vê resultados, acaba por se sentir frustrado."

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Um ciclo de promessas quebradas 

O envolvimento de atores externos, incluindo Uganda e Ruanda, que negam as acusações de apoio à milícia M23, representa um desafio adicional aos esforços de mediação. Owusu argumenta que qualquer solução viável deve incluir esses jogadores regionais. 

"Ruanda e Uganda são os principais países que têm influência sobre os rebeldes, e isso significa que devem estar totalmente envolvidos", afirmou. "Os papéis que Ruanda e Uganda desempenham devem ser totalmente reconhecidos e, consequentemente, devem ser envolvidos na busca por soluções." 

No entanto, Ako expressa um profundo ceticismo quanto à sinceridade da participação de Ruanda nas negociações, apontando falhas passadas. 

"Falar é encontrar uma forma que outros possam considerar pacífica, mas com essa paz, será paz pelo interesse dos congoleses, ou ainda para satisfazer aqueles que estão na linha da frente da guerra? E assim, quando se olha para isso, honestamente, pode ser como atirar água para as costas de um pato", disse Ako.

O papel e o interesse do Qatar em Ruanda 

A recente reunião em Doha, mediada pelo Qatar, suscitou questões sobre o seu impacto nos esforços de mediação em curso. Owusu sugere que os interesses económicos do Qatar em Ruanda poderiam incentivá-lo a pressionar Kagame para uma resolução. 

"O Qatar tem alguns interesses económicos em Ruanda. Trata-se de uma instalação económica e militar, e detém cerca de 50% dessa instalação", disse à DW. "Com isso, o Qatar não vai querer arruinar esse investimento." Owusu conclui que o Qatar tentará, portanto, usar a sua influência para pressionar Paul Kagame a encontrar soluções. 

Entretanto, o Ministro da Defesa da República Democrática do Congo, Guy Kabombo Muadiamvita, iniciou uma visita à África do Sul para fortalecer a cooperação bilateral em matéria de defesa. Isto ocorre pouco tempo depois de as tropas sul-africanas, destacadas para a missão da SADC, terem sofrido grandes perdas. 

Ako alerta para o efeito desestabilizador do conflito nos países vizinhos. 

"Burundi e muitos outros países vizinhos, incluindo Angola, vão acolher alguns desses refugiados", disse Ako. "O que será destes povos? Como vamos cuidar deles e igualmente saber que existe a Comissão de Refugiados das Nações Unidas? Como é que eles vão cuidar dessas pessoas fora do seu país?"

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