RDC: "Há uma grande pressão sobre a diplomacia angolana"
17 de março de 2025Realizam-se esta terça-feira (18.03), em Luanda, as negociações de paz entre o Governo da República Democrática do Congo (RDC) e o grupo rebelde 23 de Março (M23), a convite do Presidente de Angola, João Lourenço, que detém a presidência rotativa da União Africana (UA).
"Angola dever ter uma postura equilibrada, neutra, para não minar a sua diplomacia e ser entendida que está a favorecer uma parte das negociações", afirma Osvaldo Mboco, professor de Relações Internacionais. Em entrevista à DW, o académico comenta que "é expectável que não haja confrontos violentos e que os atores estejam imbuídos de espírito de boa-fé para negociarem".
O analista considera que "o elemento central que deve sair deste encontro é a garantia de um cessar-fogo e da abertura de corredores humanitários". Mboco defende a discussão de trégua à mesa das negociações e o estabelecimento de um mecanismo para monitorizar o cumprimento deste cessar-fogo.
Daí haver "uma grande expectativa sobre a diplomacia angolana", da qual se esperam "propostas viáveis" e "resultados factíveis", segundo as palavras de Osvaldo Mboco.
No último sábado, o Presidente angolano apelou a um cessar-fogo entre as partes, a partir de domingo, para facilitar as negociações.
DW África: Esta terça-feira, Luanda acolhe um encontro para negociações sobre a crise na RDC, a convite do Presidente de Angola, João Lourenço, presidente em exercício da União Africana, que apelou a um cessar-fogo entre as partes. Considera que estão reunidas as condições para as negociações?
Osvaldo Mboco (OM): Eu penso que sim. Considero que, do lado angolano, as condições estão criadas, dando a garantia de que [os elementos] da delegação do M23 que estará em Angola não serão detidos. O lado angolano vai apresentar provavelmente alguma proposta para as duas partes, [admitindo-se] que as duas partes devem fazer cedências. Também penso que dependerá muito da garantia do lado da República Democrática do Congo, e do lado do M23, se as duas delegações estiverem em Luanda, para negociar de boa-fé.
Claramente que há muita desconfiança no meio de tudo isto. Ainda assim, penso que é possível este primeiro encontro. Agora, a forma como Angola vai conduzir este primeiro encontro será também determinante para que existam outras rondas de negociações.
Angola dever ter uma postura equilibrada, neutra, para não minar a sua diplomacia e não ser entendida que está a favorecer uma parte das negociações. Sendo assim, Angola deve apresentar propostas viáveis.
Tenho estado a defender que Angola não deveria ter emitido o comunicado de solicitação de cessar-fogo, que entrava em vigor no dia 16. O entendimento que eu tive é que a Angola tentou criar as condições no terreno, porque não se negoceia com um clima de instabilidade e ainda de confrontos. [O ideal] era existir uma trégua. Mas Angola, a meu entender, deveria ter deixado [esse apelo] para depois da reunião do dia 18, porque há uma grande pressão sobre a diplomacia angolana. Há uma grande expectativa sobre a diplomacia angolana [no que toca a] resultados factíveis.
O resultado factível que Angola deveria apresentar ao mundo seria essencialmente, no fim do encontro, dizer que as partes beligerantes aceitaram o cessar-fogo e vão abrir corredores humanitários para zonas em conflito. No meu entender, seria um ganho para a diplomacia angolana depois desta reunião.
A República Democrática do Congo vai para este encontro fragilizada, devido à sua capacidade militar, à correlação de forças do M23 no teatro das operações, que vai tomando várias cidades. O Congo só aceita este encontro porque está a perder o controlo de muitas cidades e está aí obrigado a um acordo. Já o M23 está numa posição de vantagem e conseguiu um ganho político, que é ser reconhecido como um interlocutor válido na mesa das negociações. Este é um dos elementos que o M23 sempre exigiu que deveria ser incluído no processo [negocial] de Luanda.
Quanto ao Ruanda, há também um ganho político e diplomático, porque durante muito tempo pressionou para a necessidade de inclusão do M23. O Ruanda pode não ser incluído na primeira e na segunda ronda de negociações, porque vão existir várias rondas, mas é fundamental que, lá mais para frente, uma delegação do Ruanda seja incluída. Porque o Ruanda é um ator extremamente importante nesta equação e tem interesses também no Leste da República Democrática do Congo.
DW África: O M23 acusou o Governo congolês de querer "sabotar" o diálogo, alegando que as forças governamentais bombardearam indiscriminadamente "zonas densamente povoadas" e atacaram posições rebeldes nos últimos dias. Estes ataques podem significar um retrocesso ou marcha-atrás para o avanço das negociações?
OM: Podem minar as negociações, porque não se faz diálogo estando num clima de conflitualidade. Daí que eu dizia que a trégua deveria ser discutida na mesa das negociações, os termos da trégua, e se criar, de facto, um mecanismo para monitorizar o cumprimento deste cessar-fogo.
Agora, é expectável que não aconteçam situações que possam inviabilizar a presença de uma das delegações. Então, é [desejável] que não haja confrontos violentos e que os atores estejam imbuídos de espírito de boa-fé para negociarem alguns termos. Principalmente, penso que o elemento central que deve sair [das negociações] é a garantia de um cessar-fogo e da abertura de corredores humanitários.
DW África: Entretanto, a RDC oferece 23 milhões de dólares a quem der informações sobre três rebeldes do M23. Que leitura se pode fazer desta oferta à luz do encontro de Luanda?
OM: Bem, todas essas informações, ofertas, os bombardeamentos, podem minar o encontro. Como não há nenhum entendimento ainda, a República Democrática do Congo vai usando alguns instrumentos para persuadir o M23, mas o M23 está numa posição de vantagem. Porque a República Democrática do Congo não consegue avançar para recuperar as cidades que foram conquistadas pelo M23.
A República Democrática do Congo tem muita dificuldade no teatro das operações. Então, o que a República Democrática do Congo está a tentar fazer é algum barulho internacional, para ver se tem algum efeito psicológico na mente dos líderes do M23. Mas, dentro do domínio público, da forma como as coisas andam, é fundamental que a República Democrática do Congo também não fique parada. Porque se ficar, pode parecer hoje ilusório dizer que o M23 marchará até Kinshasa [mas isso não é impossível]. A história já nos mostrou isso, quando Laurent-Désiré Kabila, o pai, também marchou até Kinshasa e depois sem qualquer resistência por parte dos militares governamentais.
DW África: A propósito do recente incidente de expulsão de ex-chefes de Estado no aeroporto de Luanda, retidos por ordem do Governo de Angola: Que garantias poderão ser dadas ao M23 de que, ao chegarem a Luanda, não serão presos e deportados para Kinshasa? Que mensagem passa o referido incidente da expulsão de ex-chefes de Estado de Luanda?
OM: A comunidade internacional tem noção do que está a ser feito. Nesse caso, não serão detidos, porque se forem detidos, isso vai minar o processo político. Porque estamos a sair de um processo militar e a caminhar para um processo político. Se eles forem detidos, vai intensificar a conflitualidade.
Não acredito que Angola agirá desta forma para pôr em causa a sua posição enquanto mediadora, porque há aqui também a imagem internacional que Angola pretende salvaguardar.