Conflito armado na RENAMO? "As probabilidades estão lá"
11 de junho de 2025O académico moçambicano João Pereira alerta para consequências maiores se o histórico partido da oposição em Moçambique não se reiventar em termos de liderança e de discurso.
Face ao escalar da tensão entre ex-guerrilheiros do partido e a liderança, o estudioso não descarta a probabilidade de uma violência armada interna, contudo não consegue avaliar em que medida isso colocaria em causa a estabilidade do país. Mas Pereira está certo de uma coisa: Moçambique necessita de investir na reconciliação e coesão social. "A RENAMO vive uma crise geracional", diz um dos académicos que mais estudou a RENAMO.
Em entrevista à DW, o pesquisador começou por comentar a decadência da RENAMO:
DW ÁFRICA: A tensão crescente na RENAMO prova que o partido acabou?
João Pereira (JP): Eu acho que é um processo normal de crescimento da própria RENAMO. Movimentos que nascem de uma guerrilha, como a RENAMO, em que grande parte da sua liderança não gastou grande parte do seu tempo a criar instituições, formar a sua liderança, mandar estudar para fora ou para dentro do país e, porque não tiveram grandes recursos para o fazer - só falo de recursos financeiros ou controlo do Estado -, é normal que isso aconteça.
Agora, o que a RENAMO precisa, e eu tenho estado a defender de várias formas, é de mais democracia interna. Em vez de fechar, precisa de mais democracia interna, porque só com mais democracia interna é que a RENAMO vai conseguir utilizar esta crítica, não de forma negativa, mas de forma positiva.
E, por outro lado, está num processo de uma crise geracional. A mesma crise que a FRELIMO vai passar ainda mais nos próximos cinco anos, a RENAMO está a passar agora. Por falta de recursos financeiros para desenvolver uma rede elitista muito forte, por falta de controlo de espaços ao nível, por exemplo, do governo local o que retirou à RENAMO também a possibilidade de acomodação de uma grande parte das elites -, ao facto de ter perdido também uma grande parte dos assentos.
DW ÁFRICA: Acha que a RENAMO vai a tempo de se reinventar, mesmo diante deste descalabro que está a viver?
JP: Eu acho que as pessoas que estão dentro nunca vão deixar a RENAMO chegar ao ponto de desaparecer. Vai existir, mas agora, se vai existir na dimensão de ter 100 ou 200 deputados, eu tenho alguma dúvida, nos próximos 5 ou 6 anos. Mas a base social da RENAMO está lá.
Agora, se pode ser aproveitada por novos movimentos? Pode. Por exemplo, nos próximos 10 anos, o número de eleitores jovens vai, se calhar, duplicar ou triplicar. Grande parte destas pessoas não tem nenhuma ligação histórica com a RENAMO, não vai constituir a base social da RENAMO se a RENAMO também não se reinventar em termos de liderança, em termos de discurso, em termos, por exemplo, de políticas que atraiam esse novo eleitorado.
DW ÁFRICA: Mas os descontentes da RENAMO não são meros civis, são também ex-militares. Vê potencial de um conflito armado ser reacendido até dentro da própria RENAMO?
JP: As probabilidades estão lá, é por isso que eles estão a ocupar a sede, estão a ocupar os espaços para pôr pressão. É possível que haja algumas cenas de violência. Agora, não podemos saber até que ponto essa violência pode chegar a transformar-se numa violência que possa pôr em causa a estabilidade do país. E o risco está lá.
Existe, em Moçambique eu costumo brincar — uma sociedade civil mais armada do que civil. Porque estamos em permanentes conflitos armados, temos milícias locais, tínhamos milícias durante o período das eleições, temos muitos desmobilizados, temos pessoas que estão a sair do exército e cumpriram o seu serviço militar. São centenas e centenas de pessoas que estão lá.
Estamos agora a voltar a ter de criar forças locais, e amanhã, quando acabar o conflito no Norte, essas forças locais voltam de novo para a sociedade. Em Moçambique, temos uma sociedade que é uma sociedade armada. Então, temos de ter uma estabilidade de 30, 50 ou 60 anos para que deixemos de ter pessoas armadas sempre na proteção dos interesses do país. Aí, começamos a ter uma sociedade civil.
DW ÁFRICA: E qual seria a relevância de um processo de reconciliação, verdade e perdão para um país como Moçambique?
JP: Eu acho que esse é um dos maiores investimentos que nós temos de fazer: criar instituições, infraestruturas que possam gerir todo o tipo de conflito que possa existir na sociedade moçambicana. Precisamos de investir muito na questão da paz, na reconciliação, na coesão social. Precisamos de mais instituições para poder fazer esse tipo de trabalho.