Bernardino pode ser responsabilizado? "Era quem dava ordens"
8 de julho de 2025Bernardino Rafael, ex-comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), foi ouvido esta segunda-feira (07.07) pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito de um processo sobre a atuação policial nas manifestações pós-eleitorais.
A audição o antigo homem forte da polícia moçambicana acontece após uma denúncia da sociedade civil, que acusa a polícia de uso excessivo da força, que resultou na morte de mais de 300 manifestantes.
Que responsabilidades tem o antigo comandante da PRM neste processo? Em entrevista à DW, o jurista Ivan Maússe advoga que, como superior hierárquico da polícia, Rafael era responsável pelas ações dos agentes. "E por não ter havido algum pronunciamento de Bernardino Rafael a condenar a atuação macabra dos agentes durante as manifestações, então, temos de concluir que o mesmo era conivente ou melhor, ele era quem dava ordens para que a polícia atuasse daquela forma", afirma.
DW África: Acredita na punição do Bernardino Rafael pela atuação da polícia?
Ivan Maússe (IM): A verdade é que o comandante-geral da Polícia é indicado por confiança política de quem governa em Moçambique. E neste caso, quando tal acontece, abre-se uma desconfiança se de facto a nossa Procuradoria Geral da República vai conduzir este processo que pesa sobre Bernardino Rafael, que foi alguém que de alguma forma deu o comando para que a Polícia atuasse da forma como atuou durante as manifestações, com algum tipo de excesso em termos de zelo, com algum tipo de excesso em relação às suas responsabilidades.
DW África: Mas como é que Bernardino Rafael seria responsabilizado nesse sentido? Tendo em conta que, eventualmente, ele não esteve na rua, em nenhum momento disparou, mas que responsabilidades recaem sobre Rafael que podem fazer com que seja levado à barra de julgamento e possivelmente condenado?
IM: Bem, Bernardino Rafael é, acima de tudo, o homem que comandava as forças policiais durante as manifestações, ou seja, por mais que ele não se fizesse às ruas, a verdade é que a Polícia que vai às ruas e atua, atua sobre um comando de alguém, porque Bernardino Rafael é superior hierárquico dos agentes da Polícia que iam às ruas para poder garantir a dita ordem, segurança e tranquilidade públicas.
Agora, significa que essa Polícia recebe um comando de alguém e esse comando era por parte do Bernardino Rafael. E por não ter havido qualquer tipo de pronunciamento por parte do Bernardino Rafael a condenar a ação macabra da Polícia, sempre que ela se fizesse à rua durante as manifestações, então, temos de concluir que o mesmo era conivente, ou melhor ainda, ele é quem dava ordem para que a Polícia atuasse daquela forma.
DW África: Que significado tem, então, tem esta audição do Bernardino Rafael?
IM: Eu penso que só houve essa convocatória de Bernardino Rafael porque houve organizações da sociedade civil que participaram o comandante-geral da Polícia junto da PGR. Portanto, não foi uma iniciativa oficiosa, ou pessoal, por parte da PGR. Agora, uma vez que houve muita gente que foi chamada pela PGR com vista a responder pelos processos em relação às manifestações, a PGR tinha também de chamar Bernardino Rafael como forma de responder a uma pressão social que estava a haver em relação a esse processo.
Mas também pode ser uma espécie de resposta a uma pressão internacional, porque havia sempre essa necessidade de também a PGR dar uma imagem de que, afinal de contas, as instituições velam pela imparcialidade. E também, em outra instância, pode ser uma tentativa de tentar dar uma imagem de que em Moçambique não há impunidade, que todos os indivíduos podem ser responsabilizados sempre que se meterem em situações de violação flagrante da lei.
DW África: E como é que fica o Estado?
IM: O artigo nº 58 [da Constituição] da República que determina que o Estado é responsável pela atuação irregular que é feita pelos seus agentes. Então, se entendemos que Bernardino Rafael era comandante-geral da Polícia, que estava a dar comandos em nome do Estado, significa que, primeiro, o próprio Bernardino Rafael pode ser responsabilizado, do ponto de vista criminal, por ter dado ordens ilegais. Mas os agentes da Polícia também obedeceram a ordens ilegais, porque nos termos do estatuto dos agentes funcionários do Estado, eles têm o dever de não acatar ordens ilegais.
Agora, se se tratar de uma situação em que eles cumpriram uma ordem ilegal e eles também sabiam que a ordem era ilegal, então significa que os mesmos poderão ser responsabilizados. Mas também abre-se um processo cívico contra o Estado, porque o Estado deverá ressarcir os danos possíveis que tenham sido causados sobre as famílias ou sobre as pessoas dos manifestantes, indemnizando-as como deve ser.