Como a Rússia está a tentar influenciar eleições na Alemanha
19 de fevereiro de 2025Não é a primeira vez que a Rússia tenta interferir em eleições através da desinformação. Já aconteceu no caso das eleições presidenciais de 2024 nos EUA e nas eleições europeias, por exemplo. E de acordo com o Parlamento alemão, a Rússia também já tentou influenciar a opinião pública dos eleitores nas eleições federais de 2021.
Quatro anos depois, a situação não é diferente: os especialistas também têm observado campanhas de desinformação russas em grande escala com vista às próximas eleições legislativas antecipadas do próximo domingo, 23 de fevereiro, que visam desacreditar especialmente os partidos centristas na Alemanha.
A maior parte das ações "são dirigidas contra os Verdes, a União Democrata-Cristã (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD), bem como contra os seus principais candidatos. A Alternativa para a Alemanha (AfD) raramente é mencionada, mas quando é, é mencionada de forma positiva", explica Lea Frühwirth, do Centro de Monitorização, Análise e Estratégia (CeMAS). A organização sem fins lucrativos dedica-se aos temas das ideologias conspirativas, antissemitismo e extremismo de direita.
Principais candidatos alvo de notícias falsas
Eis dois exemplos recentes: Desde o início de fevereiro, vários utilizadores do X têm feito circular um vídeo sobre um alegado esgotamento mental do candidato à liderança da CDU, Friedrich Merz. De acordo com o vídeo, Merz terá tentado suicidar-se em 2017. Um dos posts foi visto mais de 5,4 milhões de vezes em dez dias.
Uma declaração de um alegado psiquiatra, Albert Mertens, e um formulário médico são apresentados como prova. O carimbo no formulário descreve Mertens como "psicoterapeuta psicológico". Na Alemanha, psicoterapeuta e psiquiatra são profissões diferentes. A Câmara Federal de Psicoterapeutas informa a DW de que não existe nenhum membro registado sob o nome "Albert Mertens" no Estado da Renânia do Norte-Vestefália. Além disso, no endereço indicado, não existe nenhum consultório autorizado a emitir tais formulários.
O vídeo foi originalmente publicado no site "Wochenüberblick aus München". Um pormenor importante: quando o vídeo é partilhado, é repetidamente referido que Merz está a pedir mísseis Taurus para a Ucrânia.
O principal candidato do partido Os Verdes, Robert Habeck, e a sua colega de partido Claudia Roth também foram recentemente vítimas de desinformação. De acordo com um artigo e um vídeo do site "Narrativ", estariam alegadamente envolvidos num escândalo de corrupção no valor de 100 milhões de euros. Em causa estão vários quadros da Fundação do Património Cultural Prussiano, que terão ido parar à Ucrânia e foram depois vendidos a colecionadores privados. Todas as alegações da publicação em questão são falsas ou fictícias, confirmou à DW a Fundação do Património Cultural Prussiano.
O que estas alegadas revelações têm em comum é o facto de serem produzidas de acordo com o mesmo padrão, com falsas declarações de testemunhas e documentos falsificados. E são publicadas pela primeira vez em páginas online que parecem plataformas de notícias, mas que espalham desinformação. Estas caraterísticas são típicas da campanha de desinformação russa apelidada de "Storm-1516", explica à DW um membro da equipa do projeto de investigação online Gnida.
Campanhas de desinformação
Em cooperação com as plataformas Correctiv e NewsGuard, o projeto descobriu mais de uma centena de sites em língua alemã, que foram inicialmente preenchidos com conteúdos pró-russos gerados por inteligência artificial. Os sites são posteriormente utilizados para publicar notícias falsas. Estas são depois difundidas em plataformas como o X ou o Telegram por "amigos" ou influenciadores pagos.
A campanha conhecida como "Doppelgänger" (duplo ou sósia) funciona de forma semelhante. Desde o início da invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, tem vindo a espalhar "narrativas pró-russas e desinformação destinadas, em particular, a desacreditar a política externa ocidental em geral e o apoio à Ucrânia em particular", escreve o Ministério Federal dos Negócios Estrangeiros da Alemanha. Na sequência da interferência na campanha eleitoral americana, o governo dos EUA sancionou os intervenientes russos responsáveis.
A campanha originalmente imitava sites e vídeos de meios de comunicação bem conhecidos, como a DW ou a BBC. A equipa de verificação de factos da DW publicou alguns artigos sobre este assunto.
Algumas destas falsificações são fáceis de detetar. "Trata-se de massa em vez de classe", diz Lea Frühwirth do CeMAS à equipa de verificação de factos da Bayerischer Rundfunk (BR).
Também a chamada campanha "Matryoshka" desempenha um papel importante. Através de um exército de bots, os jornalistas são "inundados" com alegadas referências a notícias falsas com o pedido de as verificarem. Desta forma, as falsas alegações são difundidas e, ao mesmo tempo, os verificadores de factos ficam "atolados" em trabalho, informa a agência noticiosa francesa AFP.
Os bots "Matryoshka" divulgaram pelo menos 15 vídeos falsos em poucos dias, no final de janeiro, escreve o projeto independente de comunicação social russo "Agentstvo". Os vídeos assemelhavam-se aos da DW e aos do tabloide alemão Bild, por exemplo. Em inglês, francês e espanhol, é referido que a Alemanha está alegadamente a debater-se com a ameaça do terrorismo, o aumento da criminalidade e o medo dos eleitores antes das eleições.
Rússia apoia dois partidos em particular
Os objetivos da Rússia? "Acima de tudo, espalhar a incerteza e polarizar os eleitores", explica Leonie Pfaller, da NewsGuard, um fornecedor de ferramentas para combater a desinformação, numa entrevista ao BR. É surpreendente o facto de serem muito frequentes as notícias positivas sobre o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e a sua principal candidata, Alice Weidel. Já em 2024, as investigações revelaram que a "campanha de duplicação" tinha como objetivo aumentar a quota de votos do AfD para pelo menos 20%. De acordo com as sondagens atuais, a AfD tem cerca de 20% pouco antes das eleições gerais. Não é possível provar a existência de uma ligação.
Pfaller suspeita que a AfD é apoiado pela Rússia. No seu manifesto para as eleições legislativas, o partido apela ao levantamento das sanções económicas contra a Rússia. Além disso, a AfD não condena a guerra de agressão contra a Ucrânia.
Lea Frühwirth, do CeMAS, também menciona outro partido que é apoiado pela propaganda russa: a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW). No seu manifesto eleitoral, o partido descreve a guerra na Ucrânia como uma guerra por procuração entre a Rússia e os EUA, que poderia ter sido evitada. O partido BSW também quer que a Alemanha volte a comprar gás natural à Rússia.
Felix Kartte, da Fundação Mercator, vê menos perigo na desinformação em torno das eleições alemãs e mais na estratégia de longo prazo da Rússia. "Os temas, as narrativas que o Kremlin tem tentado ocupar durante anos tornaram-se também muito dominantes no debate público alemão", disse à DW. Por exemplo, as afirmações de que todos os governos da Europa são corruptos e que suprimem a liberdade de expressão - narrativas que também são difundidas pelos partidos de extrema-direita na Europa.
Como se defende a Alemanha da desinformação russa?
A disseminação de desinformação "por agências governamentais estrangeiras na Alemanha geralmente não é punível por lei", disse o Ministério Federal do Interior ao centro de investigação Correctiv. No entanto, de acordo com o Ministério, um grupo de trabalho interdepartamental está a lidar com ameaças como a desinformação.
A tónica é colocada na sensibilização do público para a desinformação e na promoção da literacia noticiosa e mediática em todos os grupos etários, escreveu o Ministério em resposta ao BR. O governo está também em contacto com outros países e redes sociais para combater em conjunto a desinformação russa.
Para o especialista digital Felix Kartte, não basta combater a desinformação com factos. Os políticos devem também reconhecer as necessidades emocionais básicas da sociedade. Em suma: "Fazer melhor política."
Este artigo foi escrito no âmbito da cooperação de verificação de factos entre ARD-faktenfinder, BR24 #Faktenfuchs e DW Fact check.