Regionalismo como critério na Comissão de Diálogo?
10 de junho de 2025O Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) deu, esta segunda-feira (09.06), o tiro de partida para que a diversa e vasta sociedade civil moçambicana se bata por apenas três lugares na Comissão Técnica para o Diálogo de paz e reformas no país. Financia o processo a União Europeia, que escolheu as organizações não-governamentais MASC e IMD para darem assistência técnica à comissão e gerir o referido fundo.
João Pereira, diretor do Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC), fala em dois momentos: "Um momento em que vamos ter um consórcio com o MASC e o Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD). A primeira grande missão nossa é gerir o dinheiro que virá dos doadores - na pespetiva de 1,5 milhões de euros, se tudo correr bem - para ajudar a operacionalização de uma parte das atividades desenvolvidas pela comissão técnica."
"O outro ponto é tentar coordenar todo o esforço da participação da sociedade civil dentro desse processo inclusivo nacional", informou.
Mas osconcorrentes não estão contentes com a cota que lhes é reservada: Apenas três representantes num conjunto de 21 membros da comissão, 18 dos quais dos partidos políticos.
Lázaro Mabunda, membro da sociedade civil, é um dos descontentes. Critica ainda o baixo nível de preparação dos que possuem o maior quinhão e consequente contributo para o bom andamento do país.
"Grande parte deles não tem 'expertise', não tem conhecimento, não sabe absolutamente nada. Está-se a injetar muito dinheiro, terão regalias, viagens. É impossível deixar dois ou três lugares para a sociedade civil e 18 ou 19 lugares para pessoas inúteis", comenta.
Há regras de escolha?
Mas quais serão os critérios de escolha? O convite a sociedade civil fala em "candidatos idóneos, qualificados e com experiência comprovada".
José Manteigas, deputado da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), a segunda maior força da oposição, concorda com o princípio, embora alerte para o risco de se "comprar gato por lebre", à semelhança do que aconteceu na Comissão Nacional de Eleições (CNE).
"Os requisitos é que sejam pessoas credíveis, porque nós tivemos pessoas da sociedade civil que estiveram, por exemplo, envolvidas em processos eleitorais e, no fim do dia, o desempenho deles foi uma catástrofe. Nas últimas eleições tivemos como presidente da CNE um bispo e foram eleições altamente problemáticas. Tivemos outros pastores a dirigirem a CNE e foram também eleições problemáticas", recorda Manteigas.
Por isso sublinha que "a credibilidade, transparência e equidistância destas pessoas é importante."
Estas são questões que também tiram o sono a Lázaro Mabunda, que alerta ainda para riscos de a FRELIMO orquestrar mais um "golpe" a oposição, facilitando-lhe o fortalecimento no poder: "Ainda não sabemos quais são os critérios. Como vais selecionar pessoas com tanto conhecimento diversificado mas que estão fora?"
"Quem está lá são os partidos políticos que vão ser todos manipulados pelo partido FRELIMO. A FRELIMO vai definir como vão dançar a música deles", avisa o investigador.
Mabunda sublinha que as próximas eleições estão à porta, as autárquicas, "e a oposição vai despertar muito tarde. A FRELIMO terá ganhos nas autarquias, provinciais, gerais."
Representatividade regional vale?
Mas as regras já estão definidas, tranquiliza Pereira: "Os critérios estão lá: representação regional."
"O que isso quer dizer de forma prática? Estão lá representantes da zona centro, outro da zona centro e outro da zona sul." É um critério que, certamente, será o estopim para mais um momento de tensão com a sociedade.
Por outro lado, o dispendioso processo, num país altamente empobrecido, não é questionado pelos políticos. O silêncio dos partidos é tido como cúmplice e até como oportunista: "Não disseram nada porque eles têm de viver", refere Lázaro Mabunda.
Sem dúvida, uma iniciativa desafiadora, e numa época em que a inclusão é a palavra de ordem, somam-se outros fatores transversais, que igualmente não podem ser marginalizados, lembra João Pereira.
Será preciso "transformar o processo no mais inclusivo possível e não só para nós, que estamos em Maputo, pensarmos que representamos todas as organizações da sociedade civil. Temos de ter a capacidade de aceitar que alguns dos nossos colegas das Organizações da Sociedade Civil (OSC) que vierem das províncias possam ser escolhidos", diz.
O diretor do MASC alerta, no entanto, para as pedras que a sociedade civil vai encontrar pelo caminho: "Como a partir dessas dimensões todas, para além de termos assentos nas comissões, alargamos o debate para que o processo seja o mais inclusivo possível. Esse é o esforço que toda a sociedade deve fazer."
A comissão para o diálogo surge na sequência da convulsão política que o país viveu após as eleições de 2024. O objetivo, para além de restaurar a paz, é elaborar, entre outras coisas, reformas no Estado.