CDD acusa elites políticas pela fuga de reclusos em Maputo
13 de março de 2025Terá sido apenas a ponta do iceberg. Segundo o Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), a fuga de centenas de reclusos das cadeias de Maputo, em dezembro passado, é o reflexo de um problema muito maior: o suposto envolvimento de elites políticas próximas do governo do ex-Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, com os raptos de pessoas e o tráfico de drogas - incluindo pessoas ligadas ao caso ocorrido no Aeroporto Internacional de Maputo.
Na altura da fuga, o então comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, considerou que se tratou de "uma ação premeditada" e da responsabilidade de manifestantes pós-eleitorais.
Já em relação ao envolvimento de autoridades com os raptos, a antiga procuradora-geral da República Beatriz Buchili disse, em abril de 2024, no Parlamento, que a maioria dos raptos cometidos em Moçambique é preparada fora do país, sobretudo na África do Sul. Em 2022, ela havia referido que não há dados oficiais concretos ou processos com evidências sobre a alegada ligação entre traficantes e poderes políticos.
Em entrevista à DW, André Mulungo, editor do CDD, rebate a narrativa oficial de que houve evasão de reclusos na cadeia de máxima segurança (BO) em Maputo e diz que a fuga "foi premeditada".
DW África: O que verificou na investigação que conduziu?
André Mulungo (AM): Ficamos a saber que, na verdade, não se tratou de nenhuma evasão. Ela foi propositada ou premeditada com o objetivo de facilitar a fuga de um conjunto de reclusos. A narrativa oficial é de que houve uma evasão.
DW África: Quem teria premeditado essa ação e com que objetivo?
AM: Podemos dizer que, de forma geral, tinha a ver com as chefias da Polícia da República de Moçambique em coordenação com a direção máxima do país, com o interesse de permitir a saída desse grupo de indivíduos. Trata-se de 30 insurgentes, que são as pessoas que fazem a guerra em Cabo Delgado, 15 raptores, que são as pessoas que estão ligadas ao crime de raptos, e também dois indivíduos ligados ao tráfico de drogas - droga que foi apreendida no Aeroporto Internacional de Maputo.
DW África: O que está a dizer é que altos representantes do Governo moçambicano, das autoridades moçambicanas, estariam envolvidos com os insurgentes e também com o tráfico de drogas?
AM: O que estou a dizer é que a saída dessas pessoas interessava às elites políticas do governo do Presidente Nyusi. Esta é a conclusão a que chegou o estudo.
DW África: O que pode explicar o envolvimento das autoridades nessa fuga?
AM: Há estudos que mostram claramente que a questão da droga em Moçambique prospera por causa do envolvimento ou proteção dos traficantes de droga por parte das elites da FRELIMO. Algumas pessoas que são citadas como barões de droga são financiadoras do partido FRELIMO e têm ligações ao partido FRELIMO. O mesmo se diz também em relação aos raptos e aos sequestros, que há envolvimento de políticos, de magistrados e de advogados no negócio dos raptos.
DW África: E é por isso que está a questionar a razão pela qual o Governo moçambicano ainda não divulgou nenhum tipo de informação aprofundada sobre esse caso?
AM: É preciso que nos digam o que é que aconteceu naquele dia. Foi fuga? O que causou? O que falhou? E quantas pessoas, na verdade, foram assassinadas? Porque os nossos números mostram que não foram apenas 34 pessoas. São mais de 100 pessoas que foram assassinadas pelas autoridades policiais durante o processo de recaptura e depois de se ter recapturado os prisioneiros. Há pessoas que estão desaparecidas, que tinham de estar detidas, mas não se sabe onde estão neste momento.
DW África: É isso que espera do novo ministro da Justiça, Mateus Saíze, em relação a esse caso?
AM: Exatamente. É importante quer o ministro, quer o próprio Pesidente da República. Esta é a maior evasão, do ponto de vista numérico, da história de Moçambique, com impacto nos direitos humanos, tendo em conta a quantidade de gente que morreu e a quantidade de gente ferida. Dificilmente casos de escândalo envolvendo dirigentes do partido FRELIMO são esclarecidos. Tem que haver vontade deste Governo, do Presidente Chapo, de dar seguimento a este caso.