Cabo Delgado: "Seria vergonhoso abrir portas a outra tropa"
3 de março de 2025Uma eventual penalização ao Ruanda, por parte da União Europeia, pelas suas violações em territórios congolês está a ser equacionada. A avançar, esta medida também poderia ter impacto em Moçambique, nomeadamente no que respeita ao combate à insurgência em Cabo Delgado, caso as forças do Ruanda saíssem de lá por falta de financiamento da União Europeia.
Em entrevista à DW, o especialista em terrorismo, Rufino Sitói, explica que a saída das forças de Kigali de território moçambicano traria "um recuo ao pico da violência".
Na opinião de Rufino Sitói, "seria vergonhoso [para o Governo de Daniel Chapo] recorrer a uma outra força estrangeira". Além disso, o analista alerta que uma maior atenção para as conexões entre a insurgência em Moçambique e o M23, apoiado por Kagame, pode vir a crescer.
DW África: Quais seriam as consequências de uma eventual suspensão de ajuda ao Ruanda pela União Europeia para a luta contra o terrorismo em Cabo Delgado?
Rufino Sitói (RS): Primeiramente, seria o retorno ao recrudescimento das atividades do grupo. Nós vimos, via um relatório, que aumentou, em 2024, o número de mortes causados por esta insurgência, só pela retirada da SAMIM. Ao retirar-se o Ruanda também poderemos verificar o mesmo quadro - do aumento de mortes causadas pela expansão dos ataques.
Obviamente, isto reflete-se no agravamento do quadro de segurança e nas dificuldades de provisão de assistência humanitária. Temos estado a ver isso em regiões como Macomia, por exemplo, onde o acesso já foi mais fácil. Já não se acede tão facilmente. Os provedores de segurança têm as suas ações comprometidas. [A saída das forças ruandesas levaria] ao quadro que nós já vínhamos observando antes de 2021, com a intervenção destas forças. Neste caso estaríamos a voltar ao período de pico desta violência, o que não é desejável.
DW África: Na altura, vários setores questionaram o porque de não ter sido Moçambique a fazer o pedido de apoio à União Europeia, mas sim, o Ruanda. Por exemplo, a soberania de Moçambique estaria em causa, alegavam os críticos... O risco que ameaça Moçambique é um dos resultados de um eventual erro de cálculo na altura deste pedido de apoio?
RS: A ideia era que estas forças teriam um mandato curto, à semelhança daquilo que aconteceu com a missão da SADC. [A ideia era] que o Estado moçambicano estivesse a preparar um plano de transição.
Eu penso que todo o processo, por exemplo, de preparação das forças moçambicanas pela União Europeia, pelos Estados Unidos e diversas formas de apoio e capacitação que foram existindo, a ideia era gerar este desenvolvimento de capacidades para as forças moçambicanas. E hoje em dia vemos que, afinal de contas, não havia um plano. Isso coloca em causa a soberania do Estado, porque soberania também é a capacidade de prover a própria defesa contra as ameaças a um Estado. Com a saída da SAMIM, reforça-se esta ideia de que nós estamos dependentes. E tememos que seja pior. Já estamos a viver isso, por exemplo, com a situação do Ruanda na SADC. Já existe esse temor de que nós voltemos a um quadro pior de segurança.
DW África: Que alternativas restariam a Daniel Chapo, caso as forças ruandesas se retirem do país?
RS: Agora seria pelo menos vergonhoso voltar a abrir as portas a uma outra tropa. Seria uma admissão de incapacidade, mais incapacidade do Governo do que das forças, porque existe gente suficiente para cobrir o vazio de segurança que a saída do Ruanda possa gerar.
DW África: Vê com preocupação a expansão dos interesses económicos do Ruanda em países onde tem presença militar. Falo, por exemplo, da República Centro-Africana, Moçambique, República Democrática do Congo?
RS: Naturalmente, isto é de preocupar a qualquer Estado que tenha algum nível de internacionalização dos seus processos de desenvolvimento e de política. É um padrão preocupante, porque a política externa de um Estado não pode ser feita à base de expansão militar.
É um padrão preocupante que seja nestes moldes, porque está-se a dizer que qualquer Estado que tenha maior capacidade de controlo em questões de defesa acaba de alguma forma por significar uma ameaça aos outros. E depois, não tendo respostas, começamos também a questionar não só a ação, mas também o nível de relação entre a insurgência e o Ruanda. Porque alguma da liderança e alguns dos combatentes vêm da RDC e há rumores de que estejam associados ao M23, então nós começamos a colocar em causa esta violência, os objetivos desta violência e até, no nível mais alto, a liderança desta violência, que nunca foi esclarecida.