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Cabo Delgado: "Faltam apoio e sensibilidade nacional"

12 de agosto de 2025

Cabo Delgado volta a ser palco de terror: ataques jihadistas intensificam-se, com decapitações e milhares de deslocados. Canuma Silvestre Canuma apela à paz e apoio urgente.

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Moçambique Cabo Delgado Deslocados internos
Foto: ALFREDO ZUNIGA/AFP/Getty Images

Na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, os ataques terroristas perpetrados por grupos jihadistas têm vindo a aumentar em número e intensidade nos últimos dias. Elementos associados ao grupo extremista Estado Islâmico reivindicaram, esta segunda-feira, um novo ataque numa aldeia, com pelo menos um "cristão" decapitado nas proximidades de Nangade.

Outras reivindicações dos últimos dias, confirmadas por fontes locais da Igreja Católica, apontam para casas e igrejas incendiadas em vários pontos da província desde o final de julho, incluindo a decapitação de vários "cristãos" entre a população. No sábado, o mesmo grupo reivindicou outro ataque a uma aldeia do distrito deAncuabe, ocorrido no dia anterior, com os rebeldes a afirmarem que "capturaram um elemento das milícias locais", que foi posteriormente "decapitado".

Mais de 57 mil pessoas foram deslocadas desde 20 de julho na província moçambicana de Cabo Delgado, na sequência do recrudescimento dos ataques extremistas, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

De acordo com o mais recente relatório da OIM, com dados entre 20 de julho e 3 de agosto, "a escalada de ataques e o crescente medo de violência" por parte de grupos armados não estatais nos distritos de Muidumbe, Ancuabe e Chiúre levaram ao deslocamento de aproximadamente 57.034 pessoas, num total de 13.343 famílias.

Moçambique | Deslocados internos de Cabo Delgado
"Cabo Delgado precisa da atenção de todos"Foto: Bernardo Jequete/DW

É sobre este tema que conversamos com Canuma Silvestre Canuma, Director-Geral da organização moçambicana "Paz de Moçambique", criada em 2023, que intervém na construção sistémica da paz em Moçambique.

Canuma Silvestre Canuma (CSC): É muito preocupante. Os deslocados internos já ultrapassaram as cinquenta e sete mil pessoas. Estamos a falar de cerca de doze mil famílias. Isto traz consigo uma grande preocupação relativamente à crise humanitária naquela zona de Moçambique, que já era frágil, deixando-nos cada vez mais apreensivos e sem apoio.

DW África: E quem mais sofre são os mais vulneráveis, nomeadamente as crianças, as mulheres e os idosos?

CSC: É importante referir que estes últimos ataques trouxeram consigo crianças que fugiram sozinhas. Há o risco de recrutamento destas crianças, o risco de violência de género. Outras são crianças com problemas de gravidez precoce e de casamento prematuro.
Esta falta de apoio humanitário naquela zona acarreta várias consequências. Cabo Delgado precisa da atenção e do apoio de todos.

DW África: Em Moçambique, muitos representantes da sociedade civil mostram-se preocupados, dizendo que têm a sensação de que a situação em Cabo Delgado foi relegada para segundo plano por parte do Governo. O que tem a dizer sobre isso?

Soldados moçambicanos
"Esta guerra é das mais brutais" Foto: Marc Hoogsteyns/AP Photo/picture alliance

CSC: O Governo tem-se esforçado bastante. Logo após o ataque, foi enviada uma equipa governamental que ajudou a criar centros de acolhimento. Mas, de certa forma, Moçambique não está suficientemente unido a Cabo Delgado. Quando estes ataques acontecem, parece que ocorreram noutro país; não há uma sensibilidade generalizada. As informações são escassas.

DW África: Que medidas deveriam ser tomadas de imediato, na sua perspetiva?

CSC: É necessário que a sociedade moçambicana não se afaste destes ataques e que se criem programas estratégicos para tornar aquela comunidade mais resiliente. Neste momento, reforçamos sobretudo o apoio psicológico de emergência, porque é uma das necessidades mais urgentes em Cabo Delgado. Os traumas psicológicos são invisíveis, mas muito reais. Esta guerra é das mais brutais, com imagens a circular nas redes sociais antes de os familiares terem conhecimento da morte de um ente querido. É uma guerra extremamente violenta. As pessoas vivem sob enorme stress, com traumas psicológicos visíveis e perturbações. É fundamental investir fortemente na prevenção.

DW África: A escalada de ataques poderá estar relacionada com a possível retoma dos trabalhos da multinacional TotalEnergies na região? Isso pode ser um fator, na sua perspetiva?

CSC: Não vejo dessa forma, eles foram para o lado oeste, que não é exatamente a parte norte de Cabo Delgado onde se localiza o megaprojeto. Trata-se, antes, de um sinal de expansão territorial. É uma agressão a um Estado. Estamos a falar de pessoas que querem aumentar o seu poder e território. Já há ataques na parte norte de Nampula, o que demonstra a nova liderança deste grupo terrorista, que pretende expandir a sua influência e domínio.

Como então? Luta antiterrorismo em Cabo Delgado corre bem?