Cabo Delgado: Centenas denunciam burla para serviço militar
17 de maio de 2025Na província moçambicana de Cabo Delgado, 118 jovens, determinados a ingressar no Serviço Militar Obrigatório, enfrentam hoje frustração e desilusão. Apesar de se terem inscrito há vários anos, continuam sem resposta das autoridades de recrutamento. Cansados do silêncio institucional, decidiram acampar em frente ao gabinete do governador provincial, Valige Tauabo, exigindo uma intervenção urgente.
Alguns destes jovens afirmam terem se alistado nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) há mais de cinco anos, aguardando pacientemente por uma chamada — que nunca chegou. O sonho de servir a pátria tem sido ensombrado por alegações de corrupção.
Segundo relatam, um indivíduo que se apresentou como o funcionário do Centro de Mobilização e Recrutamento exigiu subornos em troca de vagas na tropa. Lucas Amisse, um dos 118 jovens que alegam terem sido vítimas de burla, afirma que pagou oito mil meticais (equivalente a 112,36 euros) com essa promessa.
Única maneira de conseguir a vaga
"É difícil obter vaga na vida militar. Tentei recensear em dois postos, mas não consegui até que chegou a fase de recensear de novo e mesmo assim não consegui. Paguei esse dinheiro porque era maneira de conseguir a vaga."
O caso de Gracinda Félix, jovem natural de Muidumbe, é semelhante. Sonhava com uma carreira militar, mas viu-se envolvida no esquema, assim como outros irmãos e conhecidos.
"Nós todos formos burlados com um senhor que andou a levar dinheiro de muitos jovens. Ele dizia que era um recrutador de jovens para a vida militar", contou à DW.
Suposto recrutador
Segundo uma fonte do Centro de Mobilização e Recrutamento de Cabo Delgado, o alegado recrutador não possui qualquer ligação formal com o Ministério da Defesa. Teria sido um militar desmobilizado, sem qualquer autoridade para representar a instituição.
Em protesto, os jovens deslocaram-se na segunda e quarta-feira passadas até ao gabinete do governador, onde permaneceram acampados, exigindo a realização do seu desejo de integrar as FADM.
"Nós estamos a pedir o Governo para, se houver uma chance lá [nos centros de treinamento militar], dar-nos a oportunidade. Os jovens estão dispostos a entrar na vida militar, treinar para combater pela sua pátria", afirmaram.
Motivações
Segundo o académico Frederico João, baseado em Cabo Delgado, a motivação destes jovens pode reflectir um misto de patriotismo e desespero face à falta de oportunidades de emprego.
Ele sublinha a necessidade de uma análise cuidadosa da situação e defende que, caso se comprove a boa-fé dos candidatos, o Estado deveria considerar acolhê-los. "Se realmente são patriotas, seria ideal absorvê-los. Mas creio que o centro de recrutamento tem os seus trâmites a seguir, tem suas épocas em que se lançam as campanhas de mobilização e recrutamento", diz.
Frederico João critica também as fragilidades institucionais que permitiram que um grupo tão vasto de jovens fosse alvo de burlas sem qualquer intervenção eficaz por parte do sector responsável.
Desde 2017, a provincia de Cabo Delgado vive a braços com ataques terroristas que voltaram a intensificar-se nos últimos meses. Recentemente foram relatadas incursões também na província vizinha de Niassa. Os jovens têm sido apontados pelo Governo e organizações não governamentais como camada vulnerável ao recrutamento para fileiras terroristas.