Bissau: "Nomeação de Braima Camará é estratégia"
7 de agosto de 2025Braima Camará vai assumir a liderança do Governo guineense de acordo com um decreto presidencial divulgado esta quinta-feira (07.08).
Até recentemente, enquanto líder de uma das alas do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), Braima Camará foi uma voz muito crítica em relação ao chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló. Entretanto, mudou de postura e chefia agora o governo de iniciativa presidencial.
Em entrevista à DW, o jurista Fransual Dias diz que esta nomeação é uma manobra política do Presidente Sissoco Embaló para "recuperar aliados" e reforçar a sua posição antes das eleições legislativas e presidenciais agendadas para 23 de novembro. Admite, no entanto, que as eleições possam ser adiadas.
DW África: Como interpreta a nomeação de um novo primeiro-ministro a poucos meses das eleições, tendo também em conta o atual momento político na Guiné-Bissau, marcado pela instabilidade governativa?
Fransual Dias (FD): Esta é uma tentativa de Umaro Sissoco Embaló de querer recuperar os seus aliados que o levaram à Presidência da República, a começar por Braima Camará, atendendo à aproximação das eleições marcadas. Sissoco sabe que, se não conseguir recuperar esses aliados, não terá condições para fazer face ao PAIGC e ao seu candidato.
Penso que é nessa lógica que essa nomeação aparece. Só não sei como é que os demais aliados vão conseguir embarcar nesse grande barco.
DW África: Em que sentido é que Braima Camará é um trunfo para Sissoco?
FD: Braima Camará é da etnia mandinga, que é a terceira etnia mais populosa. Olhando para esta equação, é fácil perceber por que é importante recuperar esses aliados, atendendo que o PAIGC é um partido de dimensão nacional, de dimensão histórica também, tem raízes profundas, e seria muito difícil [defrontá-lo]. Acredito que o próprio Umaro Sissoco Embaló não está em condições de deixar a Presidência da República. Não está preparado para isso.
DW África: O que se pode esperar, em termos políticos e institucionais, da nomeação de Braima Camará como primeiro-ministro, a poucos meses das eleições legislativas e presidenciais agendadas para 23 de novembro?
FD: Em termos institucionais, praticamente nada. Não vai acontecer nenhuma reforma. Não será possível fazer reformas num período de quatro meses. Em termos políticos e sociais, [...] haverá muitas reticências.
Não se tratará de uma agenda para a criação de condições de desenvolvimento, não estou a ver isso. Poderá, sim, ser uma agenda de salvação de cada aliado, neste caso a começar por Sissoco e Braima Camará. Mas penso que nem toda a gente embarcará nessa lógica, a começar pelos próprios aliados de Braima Camará que enfrentaram Sissoco, atendendo também ao curto espaço de tempo em que se está a tentar fazê-lo. A menos que se venha a criar condições para o adiamento das eleições. Tudo indica que poderá ser este o caminho.
DW África: Como avalia a legalidade do processo de nomeação de um novo primeiro-ministro?
FD: Os dois decretos [de demissão do anterior governo de iniciativa presidencial e de nomeação do primeiro-ministro] não disseram nada. Não temos o preâmbulo. As condições não foram explicadas, o que é imperativo quer para a demissão, quer para a nomeação do novo governo e do novo primeiro-ministro. A Constituição estabelece claramente que o Presidente pode demitir o Governo em caso de grave crise. Até agora, nós não vemos nenhuma crise que fosse sustentada.
Por outro lado, neste momento, a aferição da legalidade não se pode questionar, porquanto estamos perante a caducidade das instituições. A própria legitimidade do Presidente da República está em causa.
Penso que o novo primeiro-ministro terá de dizer claramente em que situação vai ter de gerir o país e qual é a sua visão para garantir que a normalidade [institucional] possa ser retomada.
DW África: Considera que há condições efetivas para a realização das eleições de novembro?
FD: O Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral afirmou, há algum tempo, que não havia dinheiro para a impressão dos cadernos eleitorais, que é o primeiro passo. O recenseamento ainda está a decorrer na Europa, o que significa que o processo não está concluído, embora já tenha terminado na Guiné-Bissau.
Tinha-se falado que, desta vez, a Guiné-Bissau iria organizar as eleições com meios próprios, mas estamos a ver que não será o caso.