Audições de topo em Moçambique: Justiça ou teatro político?
10 de julho de 2025A Procuradoria-Geral da República de Moçambique (PGR) ouviu, esta quinta-feira, o antigo ministro do Interior, Pascoal Ronda, no âmbito de uma queixa de organizações da sociedade civil sobre a atuação da polícia nos protestos pós-eleitorais.
É o segundo homem forte ligado à polícia, do antigo Executivo, chamado a depor na PGR, depois de Bernardino Rafael, ex-comandante geral da polícia.
Estará o Ministério Público moçambicano, verdadeiramente, em busca de justiça com estas audições?
Para o analista político Anastácio Tijó, é possível que sim. No entanto, em entrevista à DW, Tijó alerta que esta "pode ser apenas uma manobra política que procura acalmar a pressão social, sem verdadeira intenção de sancionar os responsáveis destes crimes que aconteceram durante as manifestações".
DW África: O que pretende o Ministério Público com estas audições?
Anastácio Tijó (AT): No meu entender, esta audição pode ser vista de duas formas. Por um lado, pode ser um aparente sinal de responsabilização, sugerindo que ninguém está acima da lei na República de Moçambique – mesmo figuras do topo das forças de segurança não estão acima da lei. E isto é importante para restabelecer a confiança pública e demonstrar que o Estado responde às preocupações sociais.
Por outro lado, esta pode ser apenas uma manobra política que procura acalmar a pressão social e internacional, sem uma verdadeira intenção de sancionar os responsáveis desses crimes durante as manifestações pós-eleitorais. As audiências que acontecem agora em Moçambique com essas duas grandes figuras podem ser um gesto da Justiça com cálculo político, para preservar o poder do regime do dia.
DW África: Sendo assim, não acredita que tanto Pascoal Ronda como Bernardino Rafael ou outras pessoas alegadamente envolvidas nos crimes durante as manifestações pós-eleitorais possam ser responsabilizados?
AT: Acredito que não, por isso é que eu disse que se pode estar a fazer isto [apenas para mostrar ao público] que se abriu um processo. Nós já tivemos casos semelhantes em que as pessoas, no entanto, ficaram impunes até aos dias que correm. Não nos podemos esquecer que esses indivíduos pertenciam a um determinado Governo, que pode criar mecanismos para os proteger.
DW África: Não lhe parece também que a própria Procuradoria-Geral da República está aqui numa espécie de corrida contra o tempo, tendo também em perspetiva essa questão de tentar justificar que está a trabalhar?
AT: Até pode ser. Mas se a Procuradoria agir com independência e rigor jurídico, pode, de facto, estar a tentar apurar a verdade material, porque a sociedade civil já vem reclamando, já tinha submetido este processo. A cada dia que passa, a sociedade civil tem feito essa [pressão] constante para tentar compreender o que aconteceu, e a [PGR] pode sentir-se trivializada se não fizer o trabalho como deve ser.