"Apoio do ANC não substitui falta de credibilidade de Chapo"
5 de março de 2025Não surpreende que a primeira visita de Estado de Daniel Chapo seja para a vizinha África do Sul, afinal Pretória e Luanda, na região austral, ajudaram incondicionalmente a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) a sair de apuros quando o povo se voltou contra ela por alegada fraude eleitoral.
Pelas fronteiras sul-africanas terá entrado material para reprimir manifestações, em Ressano Garcia houve um banho de sangue, enquanto os camiões entravam sem nenhuma perturbação. "Amigo diligente é melhor que parente", diz o adágio popular.
O que procura Chapo junto do partido-irmão, o Congresso Nacional Africano (ANC), nesta altura em que em Moçambique ainda se derrama sangue?
O especialista em direito internacional André Thomashausen disse à DW que Chapo "tem muito a agradecer ao Governo do ANC" na África do Sul.
DW África: A primeira visita de Daniel Chapo como chefe de Estado é à África do Sul, um dos poucos países que ajudaram a FRELIMO. O que se pode dizer em relação a esta visita?
André Thomashausen (AT): Esta é a primeira visita do novo Presidente Daniel Chapo para o estrangeiro. A África Sul foi o único país que esteve representado ao nível de chefe de Estado [da região] na inauguração de Daniel Chapo. E assim, é natural que ele tenha esse interesse em visitar países muito aliados com o Governo da FRELIMO em Moçambique, como o Zimbabué, Angola e o Ruanda - por exemplo, que está a prestar assistência militar - estiveram ausentes, ao nível de chefe de Estado, na sua inauguração.
A Amnistia Internacional pediu oficialmente, em público, que deveria haver um inquérito internacional sobre o fuzilamento de possivelmente 600 civis nas manifestações e sem que haja explicações ou inquéritos. Também continua a haver cerca de 6.000 prisioneiros, sem acesso ao tribunal, sem acesso a advogados.
E assim, penso que nesta altura os grandes países que sempre apoiaram Moçambique, como a Alemanha, França, Itália, os Estados Unidos ou o Reino Unido, não achariam oportuno uma visita de Estado do Daniel Chapo.
DW África: Esta visita seria uma espécie de agradecimento pelo apoio incondicional da RSA?
AT: Sim, claro. Daniel Chapo tem muito a agradecer ao Governo do ANC, porque o Governo do ANC escolheu dar cobertura, que nenhum outro país quis dar, à maior fraude eleitoral na história de Moçambique - possivelmente a maior fraude eleitoral na história da África Austral independente. Os abusos foram escancarados e foram desmascarados. A África do Sul tomou essa posição provavelmente para proteger os seus investimentos em Moçambique, que é um grande número de médias e pequenas empresas que estão a trabalhar bem em Moçambique e que têm estatutos bastante privilegiados. Não temos muita contabilidade, mas sabemos que a grande empresa Sasol, que está a extrair gás no centro do país, praticamente nunca pagou impostos e tem sócios políticos muito potentes dentro da empresa e é igual a tantas outras. Também existem muitas queixas da parte dessas empresas sul-africanas que estão preocupadas com os obstáculos aos transportes e, claro, no setor turístico. Com completa ausência de visitas, uma grande parte da indústria hoteleira está à beira de ter que fechar em Moçambique.
DW África: Daniel Chapo procura mais apoio para esta fase que ainda continua crítica, com protestos frequentes e crescentes contra a má governação?
AT: Não é possível governar contra a vontade do povo e o que se manifesta em Moçambique é que a vontade expressa do povo está contra o Governo de Daniel Chapo. Assim, mesmo havendo mais apoio da parte do Governo da África do Sul não vai ultrapassar essa dificuldade, não vai substituir a falta de credibilidade e a falta de apoio popular do Governo de Daniel Chapo. Aliás, o líder desta nova oposição espontânea em Moçambique, Venâncio Mondlane, ainda neste domingo passado, disse que o Governo de Daniel Chapo não vai poder permanecer no seu lugar, além do fim deste ano corrente.