Angola: Greve à vista na imprensa pública?
22 de agosto de 2025Angola poderá assistir à primeira greve na imprensa pública desde a independência, há 50 anos. Os profissionais da Rádio Nacional de Angola, da Televisão Pública de Angola, da Agência de Notícias de Angola (ANGOP) e do Jornal de Angola dizem "basta" aos baixos salários. Alguns pressionam o sindicato para avançar com a paralisação já no final deste mês, caso o salário de agosto não venha com o aumento reivindicado de 58 por cento.
Com receio de represálias, muitos jornalistas recusam dar entrevistassobre as dificuldades que enfrentam. E mesmo entre os que trabalham nos órgãos controlados pelo Governo, há divisões. Apesar das queixas nos bastidores, nem todos apoiam a greve.
Numa mensagem enviada à DW, na terça-feira, 17 de agosto, o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas afirmou: "Não estamos em greve. Quando tiver que acontecer, iremos anunciar.”
Prematuro avançar
Na semana passada, o Presidente da República, João Lourenço, remeteu a questão ao ministro Mário Oliveira, responsável pelas Telecomunicações e Comunicação Social, após ser interpelado por um jornalista da Rádio Ecclésia na Lunda Norte. Até ao momento, o ministro não se pronunciou.
Em entrevista à Rádio Essencial, Pedro Miguel, secretário-geral do sindicato, considerou prematuro avançar com a greve e apelou ao bom senso do Governo. "Precisamos também de acreditar no bom senso das pessoas, da mesma forma que eles acreditam no nosso", disse.
Pedro Miguel compreende a pressão sobre o sindicato, mas alerta para os riscos psicológicos da ansiedade. "Fico ainda mais preocupado porque a ansiedade pode tornar-se patológica. Peço calma por isso mesmo. Pode gerar frustrações e problemas psicológicos, até psiquiátricos. Vivamos um dia de cada vez", aconselha.
A DW tentou ouvir o Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA) Angola, mas sem sucesso.
Governo fará tudo para evitar greve
Os órgãos públicos são frequentemente criticados por serem vistos como instrumentos de propaganda do Executivo e do partido no poder, o MPLA. O jornalista e analista político José Gama considera que o Governo investe mais na construção da sua narrativa do que nas condições dos profissionais.
Gama acredita, entretanto, que o Executivo fará tudo para evitar a greve, mesmo sem resolver os problemas. "Uma greve na TPA e na RNA podia deixar o país em silêncio, mas o Governo tentaria impedir isso”, perspetiva. "Os jornalistas dependem destes órgãos para receber salários e o Governo poderia ameaçá-los com sanções após a greve", reforça.
Por seu lado, Ilídio Manuel, também jornalista e analista político, sublinha que os profissionais estão divididos e sob pressão do MPLA. Muitos temem sanções, enquanto o Executivo tenta evitar que a exigência de 58 por cento revele fragilidades do regime.
"Há uma forte pressão do Comité de Especialidade dos Jornalistas do MPLA, que joga a favor do poder”, adianta Ilídio Manuel, para quem uma greve não daria boa imagem ao Executivo angolano. "Acredito que vão negociar, talvez não os 58 por cento, mas algo entre 30 e 40 por cento", explica.
Segundo Ilídio Manuel, os salários baixos são uma estratégia para manter os jornalistas ideologicamente alinhados com o regime no poder. "Na verdade, não fazem informação, mas propaganda. Estão de mão estendida à caridade do poder político”, refere. "Esta postura não é inocente. Os jornalistas estão divididos: uns querem greve, outros não", argumenta.