Angola: Falta água há 30 anos na Gabela
23 de julho de 2025Nos bairros mais afastados do centro urbano, os moradores dependem de cacimbas ou são forçados a comprar pipas de água a preços elevados, muitas vezes inacessíveis para famílias de baixa renda.
Uma funcionária pública reformada, residente há décadas na zona A da cidade, expressou a sua frustração em entrevista à DW África. "Há água na zona C e em parte da zona B, mas a zona A não tem água há mais de 30 anos. Vivo aqui desde que nasci. Uma pipa de mil litros custa 3.500 kwanzas, o equivalente a cerca de 3,25 euros. Algumas áreas são abastecidas, outras não. Isso complica muito. Dependemos sempre das cisternas, mas o preço é pesado para o nosso bolso”, desabafa.
A rotina de quem vive na periferia é ainda mais desgastante. Sílvia Donga, também moradora da Gabela, relata que a busca por água começa antes mesmo do amanhecer.
"Levantamo-nos cedo para buscar água. Enfrentamos o frio e corremos riscos, mas não temos outra escolha. Muitas vezes, baldes deixados na fila são destruídos por outros. A água sai diretamente do poço, pronta para consumo. As autoridades recomendam fervê-la ou usar lixívia, mas nem sempre há paciência, nem dinheiro para comprar lixívia. O que a saúde distribui não chega para todos. E não podemos simplesmente morrer de sede”, afirma.
Acesso desigual à água
O ativista social Silvestre Magalhães, residente na Gabela há cerca de 25 anos, confirma que a situação se agrava nos bairros mais afastados.
"As zonas periféricas continuam sem acesso regular à água. Alguns bairros recebem abastecimento esporádico por meio de camiões-cisterna, mas isso é insuficiente”, destaca.
Apesar da abundância de rios na região, como o rio Wiya, o problema persiste. "É inconcebível. Temos muitos rios que poderiam fornecer água, mas o problema permanece inalterado há décadas”, critica Magalhães.
Promessas que não saem do papel
Em 2019, foi anunciado um projeto para construção de uma central de captação e tratamento de água na Gabela, avaliado em quatro mil milhões de kwanzas (cerca de 3,7 milhões de euros). No entanto, até hoje, nenhuma obra foi iniciada.
A administradora municipal da Gabela, Cremilda Albino, garante à DW que o projeto continua em carteira.
"Esperamos que a iniciativa seja concretizada. A questão da água preocupa todos os níveis de governação. Estamos a trabalhar para a construção de uma nova captação, a partir do Assango até à cidade da Gabela”, assegura.
Segundo Cremilda, a distribuição de água atualmente é feita por quatro camiões-cisterna, devidamente desinfetados com hipoclorito de sódio antes do consumo.
Falta de água agrava riscos sanitários
A escassez de água potável tem impacto direto na saúde pública. Em 2023, a Gabela enfrentou um surto de cólera e a falta de água dificultou o combate à doença.
O padre moçambicano Alfredo Tumbu, que vive na cidade há mais de cinco anos, alerta para a gravidade da situação.
"Recentemente, fomos assolados pela cólera. E combater a cólera não é apenas dizer ‘lavem as mãos'. Como seguir essa orientação se não há água? É preciso garantir condições mínimas de higiene, desinfetar espaços, mas estamos diante de um problema básico: não temos água", alerta o líder religioso.
Enquanto o projeto de captação não avança, milhares de habitantes da Gabela continuam a enfrentar uma crise silenciosa. Para muitos, o acesso à água potável permanece um privilégio distante - e, em muitos casos, uma impossibilidade diária.