Amnistia denuncia rutura global dos direitos humanos
29 de abril de 2025Segundo a Amnistia Internacional, está a viver-se atualmente uma "rutura epocal" dos direitos humanos universais em todo o mundo. Em causa está o sistema frágil composto por convenções de direitos humanos, direitos humanos universais, direito internacional humanitário e tribunais internacionais. Tudo isto foi acordado pelos Estados após os crimes dos nacional-socialistas e a Segunda Guerra Mundial.
E é precisamente este sistema que a Amnistia Internacional (AI) considera estar em perigo: "Novas e sombrias forças lançaram uma caça ao ideal dos direitos humanos universais", escreve Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, no prefácio do relatório anual da organização. A Amnistia Internacional avalia anualmente a situação dos direitos humanos em cerca de 150 países.
Aumento da violência contra civis e minorias
Este ano, a Amnistia identifica três tendências principais:
Primeiro, a população civil em zonas de guerra encontra-se sob uma pressão crescente.
"Descrevemos no nosso relatório anual uma tendência geral: as regras que deveriam ser respeitadas em conflitos - linhas vermelhas que a comunidade internacional estabeleceu — estão a ser cada vez menos respeitadas", diz Julia Duchrow, secretária-geral da secção alemã da Amnistia, em entrevista à DW.
Exemplos são os conflitos no Sudão, em Gaza, na Ucrânia e na República Democrática do Congo.
Segundo, são precisamente as minorias que estão cada vez mais em perigo em vários países: pessoas queer, refugiados, dissidentes.
Terceiro, os Estados estão a falhar crescentemente na resposta à crise de respeito pelos direitos humanos. Isto aplica-se também a países que outrora se comprometeram com os direitos humanos universais, como os Estados Unidos.
"O governo dos EUA atua como um acelerador nesta crise dos direitos humanos, colocando em risco milhares de milhões de pessoas em todo o mundo", afirma Duchrow.
O direito internacional estaria a ser "golpeado".
Duchrow cita as sanções contra o Tribunal Penal Internacional e a saída dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU como exemplos.
Violência em Angola e Moçambique
A Amnistia Internacional denunciou graves violações dos direitos humanos em Angola e Moçambique em 2024. Em Angola, a repressão violenta de protestos pacíficos, detenções arbitrárias de ativistas e jornalistas, desaparecimentos forçados e censura marcaram o ano. A crise agravou-se com a pior seca em mais de um século, afetando milhões, sobretudo nas províncias do sul.
Em Moçambique, após as eleições, as forças de segurança desencadearam uma repressão brutal, com pelo menos 277 mortos. Cabo Delgado manteve-se como epicentro de violência, enquanto jornalistas e civis enfrentaram intimidações e ataques.
Amnistia volta a focar-se em Israel e Gaza
A Amnistia dá especial atenção, mais uma vez, à guerra na Faixa de Gaza, com dezenas de milhares de mortos, desencadeada após o ataque terrorista do Hamas a Israel em outubro de 2023.
A Amnistia reitera a acusação de que Israel comete um "genocídio" contra os palestinianos.
"A comunidade internacional assistiu impotente enquanto Israel matava milhares e milhares de palestinianos, por vezes famílias inteiras, destruía os meios de subsistência de inúmeras pessoas e arrasava casas, hospitais e escolas", lê-se no relatório anual.
Esta acusação já havia sido reforçada num relatório de 300 páginas publicado em dezembro passado.
A acusação de genocídio é controversa. O governo israelita rejeita-a veementemente e especialistas em direito internacional, como Stefan Talmon, também manifestaram dúvidas sobre o trabalho jurídico da Amnistia.
Por outro lado, outras organizações como a Human Rights Watch acusam igualmente Israel de cometer "atos de genocídio", como o bloqueio alimentar deliberado da população civil.
Sudão: uma catástrofe humanitária
O relatório também aborda a crise no Sudão.
O país vive há mais de dois anos uma guerra civil, com consequências devastadoras para a população civil e, segundo as Nações Unidas, dezenas de milhares de vítimas.
"Em lado nenhum no mundo houve tantas pessoas deslocadas como no Sudão", afirma o relatório.
O anterior governo norte-americano acusou um dos grupos rebeldes envolvidos de genocídio.
A Amnistia não utiliza esta terminologia no relatório anual, referindo-se antes a violência de ambos os lados e exigindo um embargo de armas.
Ainda assim, a secretária-geral alemã da Amnistia, Duchrow, não exclui que a organização possa vir a classificar a situação no Sudão como genocídio no futuro.
Críticas ao tratamento dos protestos na Alemanha
No caso da Alemanha, a Amnistia critica, além das leis de asilo mais restritivas, a abordagem repressiva aos protestos.
O movimento climático terá sido criminalizado e, nos protestos solidários com a Palestina, "assistimos a proibições generalizadas, violência policial e ações desproporcionadas por parte das autoridades", afirma Duchrow.
Entre os exemplos citados estão a dissolução de congressos, sentenças judiciais contra slogans e ações policiais durante manifestações, que a Amnistia considera, no geral, demasiado repressivas.
O relatório, no entanto, não aborda os ataques contra jornalistas durante manifestações pró-palestinianas, nem menciona explicitamente a agressão física contra Lahav Shapira, ocorrida em fevereiro de 2024 em Berlim, classificada por um tribunal como motivada por antissemitismo.
Sobre isso, Duchrow esclarece: "Combatemos o antissemitismo e todas as formas de discurso e agressão misantrópicos, incluindo o racismo e a islamofobia."
No entanto, a organização não documentou diretamente o caso Shapira: "Só podemos publicar algo que tenhamos investigado e documentado pessoalmente. E neste caso específico, não o fizemos."
Apelo da Amnistia: Recentrar os direitos humanos
Para o próximo ano, a Amnistia apela ao respeito pela ordem internacional baseada em regras e exige dos governos o cumprimento dos direitos humanos e do direito internacional.
Isto inclui também, segundo Duchrow, respeitar e cumprir mandados de captura internacionais — como o emitido contra o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu.
A organização defende igualmente uma reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Apesar de todas as tendências negativas, Duchrow sublinha que existem desenvolvimentos positivos, como demonstraram as manifestações na Coreia do Sul.
"Vemos repetidamente sinais positivos. Os direitos humanos continuam a inspirar as pessoas a irem para a rua. Por isso, exigimos dos governos que coloquem os direitos humanos no centro das suas políticas. Mas é preciso também o empenho de todos - tudo depende de nós", afirma Duchrow.
O atual relatório anual da Amnistia Internacional tem 409 páginas e analisa a situação dos direitos humanos em cerca de 150 países.