Ameaças a críticos do Sustenta: "A sua vida vale mais"
15 de julho de 2025Em Moçambique, críticos do projeto agrícola Sustenta denunciam intimidações e ameaças de morte. Só neste mês, um jornalista e um comentador denunciaram terem sido vítimas de ameaças após terem abordado o tema. O Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) Moçambique alerta para a gravidade da situação e exige às autoridades que investiguem estes casos.
O debate público sobre o Sustenta andava adormecido. Mas no início de junho, o jornalista Noa Cossa acordou os "fantasmas" do polémico projeto agrícola, ao questionar o ministro da Agricultura, Roberto Albino, sobre o estado do Sustenta. Em resposta, o governante deu a entender que desconhecia o projeto bandeira do Executivo anterior, cuja transparência tem sido altamente questionada e que chega agora a ser comparado ao caso das dívidas ocultas.
Investigação
As declarações do ministro, em junho, incendiaram o debate. O ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane exigiu inclusive ao Estado que investigue a gestão do projeto agrícola por "fortes indícios" de "crime público".
Um mês depois da entrevista ao ministro da Agricultura, o jornalista Noa Cossa denuncia ter sido abordado num restaurante em Maputo por um homem armado que o ameaçou de morte: "Tens de ter muito cuidado sobre a forma como questionas e tudo quanto fazes nesta área, porque o sistema mata sem escrúpulos", terá avisado o homem.
Para o jornalista, é quase certo que esta ameaça está relacionada com a reportagem que fez sobre o projeto Sustenta. "A reportagem foi a gota de água para que eu começasse a sofrer estas perseguições e ameaças de morte", considera.
"Violação à liberdade de imprensa"
O MISA em Moçambique alertou para a gravidade deste caso, por representar "uma clara violação à liberdade de imprensa e uma ameaça séria ao exercício do jornalismo em Moçambique", e instou as autoridades a investigarem e responsabilizarem o autor das ameaças.
Até aqui, as autoridades moçambicanas não se pronunciarem sobre este incidente, nem sobre um outro, envolvendo o comentador político Edson Massingue.
"A sua vida vale mais do que o Sustenta"
Na semana passada, Massingue denunciou que alguém tentou bloquear a sua viatura, quando saía de um programa na TV Sucesso, um canal de televisão privado onde abordou o projeto Sustenta. "Aquilo valeu-me uma tentativa e teria se consumado se não tivesse tido a graça de me aperceber o que realmente estava acontecer", denunciou Massingue mais tarde, noutro programa da mesma estação.
Massingue acrescentou que já tinha sido ameaçado: "Aconselharam-me: "Edson a sua vida vale mais do que o Sustenta". Eu disse, "ok". Mas será que vamos continuar a ter pessoas que nos roubam, nos deixam à fome e temos que calar porque há balas, há esquadrões da morte?", contesta.
Por seu lado, o jornalista Noa Cossa recorre à frase "é proibido pôr algemas nas palavras", obra do célebre jornalista moçambicano Carlos Cardoso, para assegurar que continuará firme em prol da verdade.
André Mulungo, oficial de projetos Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), considera que estas ameaças visam implantar o medo. "Para se ficar calado, para que isso passe impune, para que ninguém fale do Sustenta e o projeto caia no esquecimento", afirma.
O projeto Sustenta foi lançado, em 2017, pela mão do então chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, para lutar contra a insegurança alimentar e aumentar o rendimento dos agricultores. Contou com financiamento do Banco Mundial. O novo Governo de Daniel Chapo admitiu, entretanto, virar as costas ao programa para apostar no setor privado.