"Projeto de gás em Cabo Delgado desrespeita as populações"
16 de julho de 2025Organizações dos Estados Unidos e Moçambique avançaram com uma ação judicial contra o EximBank norte-americano por aprovar um financiamento ao megaprojeto de Gás em Cabo Delgado, alegando que foi feito sem avaliações ambientais.
"O projeto desalojou milhares de pessoas locais, foi palco de alegadas violações dos direitos humanos, rodeado por um conflito violento e causará uma destruição ambiental significativa", lê-se num comunicado das organizações Friends of the Earth nos Estados Unidos e Justiça Ambiental de Moçambique.
No processo que dizem ter interposto na Justiça norte-americana esta semana, alegam que o Eximbank "apressou" a aprovação deste financiamento, equivalente a 4.000 milhões de euros, ao projeto em desenvolvimento pela TotalEnergies em Cabo Delgado, "sem considerar o conflito e os danos que o projeto causará ao ambiente e às comunidades locais", e mesmo "apesar das investigações abertas por vários países sobre alegações de graves violações dos direitos humanos" naquela zona.
É sobre este assunto que a DW falou com a representante da organização "Justiça Ambiental de Moçambique".
DW África: O que levou a sua organização, juntamente com a sua parceira "Friends of the Earth", nos Estados Unidos, a apresentar esta queixa contra o EximBank?
Anabela Lemos (AL): O que nos levou a dar este passo são os constantes abusos dos direitos humanos. O megaprojeto de Gás em Cabo Delgado não trouxe benefício nenhum para as populações. Estas perderam as suas terras, perderam o seu acesso ao mar, e o dia a dia delas. A vida das pessoas, neste momento, é um inferno. Achamos que este projeto, além do impacto negativo que tem sobre a vida das populações diretamente afetadas em Moçambique, tem outros impactos negativos.
DW África: Quer dizer que, para além de afetar a qualidade de vida das populações, também tem impactos ambientais negativos?
AL: Achamos, de facto, que este projeto vai contra as metas que visam combater as mudanças climáticas. Quando alguém investe, principalmente sendo financiamento dos stakeholders, devia garantir que esse investimento não viole os direitos ambientais, sociais, humanos e outros. Deveriam, sim, investir em projetos que ouçam as vozes das pessoas, das famílias que vivem em Cabo Delgado. Mas não é isso que acontece: o sofrimento das pessoas é completamente ignorado. Acresce o poder que essas companhias têm, juntamente com o Governo, poder esse que abafa qualquer direito ou qualquer voz que se levante. Financiar um projeto destes é uma irresponsabilidade e uma completa falta de respeito pelas populações.
DW África: Tudo isto acontece por parte de um banco sediado nos Estados Unidos - um país que afirma ter altos standards, no que diz respeito aos direitos humanos, e também ao meio ambiente, para além de rigorosos critérios éticos...
AL: São as contradições da América atual. O Trump cortou todas as ajudas de saúde e de educação, portanto tudo aquilo que apoiava países em África, como Moçambique, via os programas de ajuda. Mas entretanto vão agora apoiar um projeto que vai colocar a situação das pessoas muito pior do que a que temos hoje. Temos insurgência, temos vários problemas. Esse projeto deveria fechar. É importante que a nossa organização e outras organizações denunciem os impactos negativos que este projeto está a ter.
DW África: O financiamento por parte do EximBank, do seu ponto de vista, é ilegal?
AL: Se é ilegal ou não, pode haver opiniões diferentes. Estamos, no entanto, convencidos que não é aceitável e é uma violação gritante dos direitos das comunidades de Cabo Delgado.
DW África: A vossa organização parceira nos Estados Unidos, os Friends of the Earth, diz que o financiamento foi concedido sem o devido estudo de impacto ambiental...
AL: Sim. Há muitas falhas. Quanto ao impacto ambiental, ainda agora elaborámos uma análise, que não aborda a parte social. E, de facto, há muitas falhas. Os estudos de impacto ambiental, em Moçambique, são, como costumamos dizer, apenas para inglês ver. É um carimbo que, na maioria das vezes, é colocado num projeto depois da aprovação. Isto é a situação que nós vivemos hoje. Os países do norte deveriam ter isto em consideração e tantar, pelo menos, aplicar os standards a Moçambique que eles talvez aplicariam nos seus próprios países.