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EconomiaNamíbia

Alemanha está a impulsionar o hidrogénio verde na Namíbia

Jasko Rust
19 de abril de 2025

Pela primeira vez, o hidrogénio verde está a ser produzido na Namíbia, em grande parte devido ao investimento alemão. O país da África Austral tem planos ambiciosos para uma indústria que ainda está na sua fase inicial.

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Painés solares no deserto da Namíbia
Na paisagem desértica da região de Erongo, na Namíbia, 44.000 painéis solares fornecem eletricidade ao projeto HyIron, a primeira iniciativa de "aço verde" da NamíbiaFoto: Jasko Rust

No meio do deserto árido da Namíbia, mesmo as boas chuvas de 2025 quase não deixaram rasto. Apenas algumas montanhas contrastam com a paisagem castanha-acinzentada do deserto. Mas é aqui, a cerca de 120 quilómetros a nordeste do maior porto do país, Walvis Bay, que se encontra a mais recente contribuição da Namíbia para a redução global das emissões de gases com efeito de estufa.

Perto da cidade de Arandis, 44.000 painéis solares brilham ao sol da Namíbia, que oferece condições ideais.

"Em média, temos 30 horas de nuvens fechadas por ano", explica Johannes Michels, diretor-geral da Hylron, uma empresa que começou a produzir no final de março o primeiro hidrogénio verde na Namíbia – produzido com eletricidade oriunda de fontes de energia limpas e renováveis.

O projeto "Oshivela" é a primeira fábrica de aço moderna da Namíbia. Mas ao contrário das siderúrgicas convencionais ou "cinzentas", o "Oshivela" produz "aço verde" porque utiliza energia proveniente de fontes renováveis.

Johannes Michels, da HyIron, inspeciona parte da unidade de produção de hidrogénio do projeto "Oshivela"
Johannes Michels, da HyIron, inspeciona parte da unidade de produção de hidrogénio do projeto "Oshivela"Foto: Jasko Rust

De acordo com Michels, isto fará da Namíbia "o primeiro país do mundo a produzir aço industrialmente sem emissões de CO2".

A ideia do falecido Presidente da Namíbia, Hage Geingob, de transformar a economia namibiana utilizando o hidrogénio está a começar a ser concretizada. O país pretende industrializar-se e criar empregos urgentemente necessários para travar a taxa de desemprego oficial de cerca de 37%. Nos últimos anos, foram desenvolvidas várias iniciativas no domínio da energia, nomeadamente o projeto Hyphen no Parque Nacional Tsau/Khaeb, no sul da Namíbia.

A partir de 2028, espera-se que seja produzido anualmente cerca de 1 milhão de toneladas de amoníaco verde, principalmente para exportação para a Europa e a Ásia.

Mas o projeto emblemático tem atraído tanto atenção como críticas. A Câmara do Ambiente da Namíbia (NCE) receia danos irreversíveis no ecossistema altamente sensível do parque nacional. A Hyphen rejeita as acusações e foi anunciado um estudo de impacto social e ambiental exaustivo.

Primeira fábrica de hidrogénio verde em funcionamento

Enquanto o grande projeto Hyphen ainda é um sonho do futuro, o campo solar da HyIron já fornece até 25 megawatts de eletricidade. A energia é utilizada para alimentar dois electrolisadores, que dividem a água em hidrogénio e oxigénio.

A eletricidade flui para um forno rotativo, onde é processado o minério de ferro proveniente da África do Sul. O hidrogénio é utilizado como agente redutor no forno, absorvendo os átomos de oxigénio do minério de ferro.

O que resta é ferro-gusa para utilização na indústria do aço. Além disso, o hidrogénio e o oxigénio recombinam-se para formar água, que é depois utilizada num ciclo para produzir mais hidrogénio.

Michels está entusiasmado com o potencial de energia verde da Namíbia e quer "mostrar que existe uma alternativa às alterações climáticas que nem sequer é assim tão cara".

Unidade de produção de "aço verde" na Namíbia
O primeiro aço livre de emissões do mundo é produzido nesta unidade na NamíbiaFoto: Jasko Rust

As pessoas aqui estão plenamente conscientes dos efeitos adversos das alterações climáticas. Em tempos, cerca de 5.000 ovelhas pastavam na zona antes de não cair uma gota de chuva durante 12 anos.

Os proprietários da quinta tiveram de a vender, lançando as bases para um dos projetos de descarbonização mais promissores da Namíbia.

Alemanha promove produção de hidrogénio na Namíbia

É aqui que a Alemanha entra em jogo.

"Precisamos de descarbonizar a nossa indústria siderúrgica", explica Rainer Baake, o representante especial do Governo alemão para as relações entre a Namíbia e a Alemanha no domínio do hidrogénio.

"Até agora, a redução do aço tem sido feita na Alemanha com a ajuda do carvão de coque, e é por isso que é tão intensiva em carbono", diz Baake.

É uma oportunidade para a Namíbia, onde a indústria do hidrogénio está a desenvolver-se gradualmente - muitas vezes com dinheiro alemão.

A Hylron é maioritariamente constituída por investidores alemães, com 13 milhões de euros do Ministério Federal dos Assuntos Económicos e da Ação Climática. Só o diretor-geral Michels tem raízes namibianas.

Poderá o hidrogénio mover o mundo?

O Ministério Federal da Educação e Investigação financia dois outros projetos com cerca de 22 milhões de euros, enquanto a Enertrag, uma empresa de energia do leste da Alemanha, é o principal acionista da Hyphen.

Para o economista Robin Sherbourne, esta é exatamente a abordagem correta no que diz respeito às principais causas das alterações climáticas. "O setor privado e os governos dos países ricos devem fornecer o dinheiro para esta mudança", diz Sherbourne.

Como é que a Namíbia beneficia?

No entanto, Sherbourne adverte que os subsídios por si só não serão suficientes, manifestando ceticismo quanto aos potenciais benefícios da indústria do hidrogénio para a Namíbia.

"Poderão ser ganhos em divisas, poderão ser algumas receitas fiscais", avalia Sherbourne, advertindo, no entanto, que "se a indústria não for comercialmente ativa nos próximos anos, não terá muitos lucros".

A HyIron já começou e, segundo a empresa, já consegue competir em termos de preço com o aço "cinzento" produzido convencionalmente.

"Não é que vamos ganhar muito dinheiro com ele imediatamente, mas podemos sobreviver com ele", afirma  Johannes Michels, diretor-geral da Hylron.

De um modo geral, a empresa continua a ver-se mais como pioneira. "Acima de tudo, o nosso objetivo é mostrar que funciona", diz Michels.

Inicialmente, a HyIron será capaz de produzir 15 mil toneladas de aço sem emissões por ano. Este ano, poderá ser dada luz verde para a expansão para 200 000 toneladas.

E até 2030, a capacidade poderá ser alargada para 2 milhões de toneladas. A empresa estaria então em condições de aumentar o número de postos de trabalho permanentes dos 50 iniciais para 1600. A HyIron está também a avançar com formação e educação contínua para expandir as capacidades locais.

Em busca de aço mais verde no frio norte da Suécia

"A Namíbia poderia certamente produzir várias centenas de milhões de toneladas de aço por ano", diz Michels.

Falta de acordos de compra – um obstáculo para a Namíbia

Atualmente, a falta de procura está a atrasar o "aço verde". Ainda não foi capaz de competir com os métodos de produção que prejudicam o meio ambiente. Os acordos de compra de produtos de hidrogénio verde fabricados na Namíbia são raros.

Segundo Baake, isso também se deve à atual situação do mercado. A aplicação integral do Mecanismo de Ajustamento das Fronteiras de Carbono da UE, no âmbito do qual os prémios de preço se destinam a compensar a vantagem de mercado do aço produzido de forma prejudicial ao clima, demorará até 2034.

Baake fala de um "período de seca" para este período e vê a necessidade de ação por parte do novo Governo alemão.

"O comércio de emissões, por si só, não levará à assinatura de contratos aqui", lamenta.

Como medida possível, Baake cita as quotas obrigatórias para produtos verdes, por exemplo, na agricultura alemã ou na indústria do aço. O especialista económico Sherbourne apela a compromissos a longo prazo por parte da Alemanha: "Se a nossa indústria aqui estiver dependente da Alemanha e as coisas mudarem, existe o risco de ficarmos presos à nossa indústria aqui".

Primeiras exportações de hidrogénio para a Alemanha

A HyIron é a primeira empresa de hidrogénio na Namíbia a ter um acordo de compra. O cliente é a Benteler, um fornecedor alemão de peças de automóveis. Inicialmente, estavam previstas 200.000 toneladas de aço sem emissões por ano.

Ainda não é claro qual será o volume efetivo de entregas. A HyIron não quer fornecer qualquer informação sobre este assunto e a Benteler recusou um pedido de comentário da DW.

No entanto, James Mnyupe está muito satisfeito com estes desenvolvimentos. Ele é o comissário para o hidrogénio da Namíbia e chefe do programa governamental para o hidrogénio.

"Isto muda fundamentalmente a forma como as pessoas pensavam que a produção de hidrogénio verde seria tratada na Namíbia", diz Mnyupe.

"Pensavam que iríamos exportar as moléculas e que estas iriam para a Europa".

Em vez disso, ele prevê um mercado local de hidrogénio, com produtos utilizados ou refinados na Namíbia.

Por exemplo, há planos para criar enormes instalações de armazenamento de amoníaco na Namíbia para reabastecer navios porta-contentores, comboios e camiões namibianos.

James Mnyupe, comissário para o hidrogénio da Namíbia
James Mnyupe diz que descarbonização global não é a principal prioridade do mercadoFoto: Jasko Rust

Mnyupe descreve um centro logístico namibiano com uma frota de transportes de baixas emissões por via marítima, rodoviária e ferroviária, o que tornaria o país menos dependente de possíveis contratos de compra na Alemanha.

Ele também responsabiliza o seu próprio Governo. Outros países, como a Coreia do Sul, o Egito e Marrocos, já estão a investir na sua própria indústria, afirma Mnyupe.

"Talvez cheguemos lá dentro de alguns anos, quando for claro que esta indústria pertence aqui e está a florescer, mas a certa altura temos de começar a sustentar-nos a nós próprios", diz Mnyupe.

Uma questão económica

Para Mnyupe, as tentativas de descarbonização global não são a principal prioridade.

"Não se trata do clima, mas sim de dinheiro, da economia", afirma.

Entretanto, o HyIron não despertou interesse apenas na Alemanha. Representantes do gigante automóvel japonês Toyota visitaram a fábrica. De acordo com Mnyupe, eles estão interessados em partilhar e utilizar o aço livre de emissões da Namíbia do outro lado da fronteira, na África do Sul, que constrói automóveis para exportação para a Europa.

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