100 dias de Merz como chanceler alemão
13 de agosto de 2025O maior jornal de grande circulação da Alemanha, o Bild, deu o seu veredito sobre o chanceler Friedrich Merz: "O chanceler solitário explica o seu maior erro", escreveu o jornal esta semana. Referia-se à sua última decisão inesperada de suspender a autorização para novas entregas de armas a Israel, que também poderiam ser usadas na guerra na Faixa de Gaza.
Merz tomou essa decisão sem antes discutir com o seu próprio partido de centro-direita, a União Democrata-Cristã (CDU), e, segundo o Bild, o seu partido irmão na Baviera, a União Social Cristã (CSU), nem sequer foi informado.
Esta foi a mais recente de uma série de reviravoltas e decisões surpreendentes que Merz tomou desde que assumiu o cargo.
O seu mandato como chanceler começou de forma conturbada: quando, após as eleições gerais de 23 de fevereiro, o novo Bundestag se reuniu para eleger um novo chefe de governo, os analistas tinham grandes esperanças de estabilidade.
O anterior governo de centro-esquerda dos Social-Democratas (SPD), do Partido Verde e dos neoliberais Democratas Livres (FDP) caiu depois de apenas três anos, marcado por contínuas disputas internas, principalmente sobre questões orçamentais. A extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) duplicou a sua percentagem de votos para 20,8%. Uma sondagem realizada pela Forsa no início de agosto colocou a AfD à frente da CDU/CSU, com 26% contra 24%.
No entanto, em 6 de maio, Friedrich Merz inicialmente não conseguiu obter o número de votos necessários para se tornar chanceler. Faltaram-lhe seis votos dentro do seu próprio partido e só conseguiu assegurar a maioria necessária numa segunda votação sem precedentes.
Milhares de milhões em nova dívida pública
O novo governo começou em grande mesmo antes de assumir funções: em conjunto com os Verdes, agora na oposição, organizou uma maioria de dois terços no Bundestag para levantar as rigorosas regras alemãs em matéria de dívida pública, apesar de ter feito promessas eleitorais para salvaguardar o chamado "freio da dívida”, consagrado na Constituição.
O novo governo terá um adicional extraordinário de 500 mil milhões de euros — mas, em teoria, ilimitado — para modernizar as suas forças armadas e, pelo menos, mais 500 mil milhões para a renovação de estradas, linhas ferroviárias e escolas, bem como para iniciativas de proteção climática.
O novo ministro das Finanças, Lars Klingbeil, do SPD, disse: «A OCDE, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia ou o G7 — nos últimos anos, todos incentivaram e aconselharam a Alemanha a investir mais e a tornar as nossas regras de endividamento mais flexíveis. Isso não era possível até agora. Mas aqui no Parlamento, finalmente soltámos essas correntes e estamos a investir mais do que nunca na viabilidade futura do nosso país.»
Em junho, não foi cumprida mais uma promessa eleitoral. Esperava-se que os preços da eletricidade fossem reduzidos para todos. Entretanto, o Governo anunciou uma redução no imposto sobre a eletricidade apenas para os setores industrial, agrícola e florestal, argumentando que não havia orçamento para uma redução abrangente nos preços da eletricidade.
Foco na política externa
Nos 100 dias desde que assumiu o cargo, Merz concentrou-se principalmente na política externa. Pouco depois de ser eleito, fez uma viagem de alto nível a Kiev com o Presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer para garantir ao presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy a solidariedade europeia.
No início de junho, Friedrich Merz visitou o Presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca e, ao contrário de outros convidados, foi bem recebido. Merz parecia à vontade nas cimeiras da UE e da NATO.
Merz tem sido tão vocal em matéria de política externa que o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Johann Wadephul, muitas vezes aparece em segundo plano. Ocasionalmente, a escolha de palavras pouco diplomática do chanceler tem gerado polémica, como aconteceu após o ataque de Israel ao Irão, a 13 de junho: "Este é o trabalho sujo que Israel está a fazer por todos nós. Também somos vítimas deste regime. Este regime dos aiatolas trouxe morte e destruição ao mundo. Com ataques, com sangue e fúria. Com o Hezbollah, com o Hamas."
Medidas rigorosas na imigração
Quanto às questões internas, a luta contra a imigração ilegal tem sido um tema central. O novo ministro do Interior, Alexander Dobrindt (CSU), agiu rapidamente para reforçar os controlos nas fronteiras da Alemanha. Isso incluiu também a rejeição de requerentes de asilo que, segundo os críticos, constitui uma violação da legislação da UE.
A Polónia, vizinha oriental da Alemanha, respondeu às medidas de Dobrindt com medidas semelhantes, introduzindo controlos que provocaram longas filas de trânsito em ambos os lados da fronteira. Dobrindt defendeu repetidamente as suas decisões: "A UE é uma região cosmopolita. Continuamos a ser uma região cosmopolita. Mas não queremos que contrabandistas ilegais, traficantes e gangues criminosos determinem quem vem para a nossa região. Queremos que as decisões políticas especifiquem as formas legais de entrar na Europa; não vamos deixar isso nas mãos de gangues criminosos», afirmou.
Fissuras na coligação
A última sessão do Bundestag antes da pausa de verão terminou com impacto. A confirmação de três novos juízes para o Tribunal Constitucional Federal estava na agenda. No passado, os parceiros da coligação sempre conseguiram preencher cargos tão importantes da forma mais amigável e tranquila possível, a fim de preservar a reputação do mais alto tribunal da Alemanha.
Mas não desta vez: dezenas de deputados conservadores recusaram votar na candidata do SPD, Frauke Brosius-Gersdorf, que tinha sido aprovada para nomeação por uma comissão bipartidária. Houve resistência à sua nomeação, especialmente nos canais de redes sociais de direita, que deturparam as suas opiniões liberais sobre o aborto. No dia da votação, foram feitas acusações duvidosas de plágio contra a candidata e a votação foi cancelada.
O SPD falou de uma grave quebra de confiança. Apesar disso, o partido continuou a apoiar a candidata, que mais tarde retirou a sua candidatura. A questão das nomeações dos juízes continuará para além do recesso de verão e representa a primeira grande crise dentro da coligação, lançando uma sombra sobre o balanço do governo após 100 dias no poder.