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Agora, tudo é culpa dos protestos em Moçambique?

DW (Deutsche Welle)
6 de fevereiro de 2025

De dificuldades no pagamento do 13º salário a problemas no orçamento do Estado, hoje em dia parece que a culpa de quase tudo é só dos protestos pós-eleitorais em Moçambique. Será mesmo assim?

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Um manifestante numa barricada em Maputo, em chamas
Manifestantes exigem reposição da "verdade eleitoral"Foto: Amilton Neves/AFP/etty Images

Este mês, os funcionários e agentes do Estado deverão receber metade do seu décimo terceiro vencimento, referente ao ano de 2024.

O pagamento é uma concessão, depois do Governo anterior, de Filipe Nyusi, anunciar que não tinha condições para pagar o 13º salário, devido às manifestações pós-eleitorais. Aliás, antes de deixar o poder, Nyusi avisou que os bloqueios originados por algumas manifestações violentas poderiam criar caos e afetar as receitas estatais.

A Confederação das Associações Económicas (CTA) disse hoje que os protestos que se seguiram às eleições gerais de outubro de 2024 "quase mataram" 40% do tecido industrial.

O economista Egas Daniel confirma: as manifestações "lesaram de forma extrema a capacidade do Estado pagar até os salários normais, quanto mais o 13º mês".

Armazém de medicamentos em chamas durante protestos em Maputo, a 25 de dezembro de 2024
Armazém de medicamentos destruído durante os protestos em Maputo, em dezembro de 2024Foto: Jaime Álvero/DW

"Se olharmos para os dados da ministra das Finanças, de que 42 mil milhões de meticais foram perdidos no último trimestre por causa da tensão pós-eleitoral, este número é significativamente alto [e limita] de facto a capacidade do Estado de fazer pagamentos normais."

Mas o economista alerta que não se pode atribuir total culpa aos protestos pós-eleitorais.

Os problemas são antigos

Egas Daniel lembra que o Governo moçambicano enfrenta dificuldades de pagamento de salários desde a introdução da Tabela Salarial Única, em 2022, tendo sido registados atrasos e cortes salariais. "Isso ainda não tinha sido ultrapassado", refere o economista, e "os problemas continuaram nos anos subsequentes".

"Ou seja, o problema do pagamento do 13º salário existiria mesmo sem a situação das manifestações, na forma como elas aconteceram", conclui.

"O povo continua a não ser prioridade"

De facto, em 2022, o 13º salário não foi pago. E no ano 2023, o pagamento do referido salário foi feito apenas no valor correspondente a 30% do salário base, que teria sido transferido em duas tranches.

À procura de "bodes expiatórios"

O analista político Aly Caetano também discorda que as manifestações sejam o principal motivo das dificuldades do Estado em honrar os seus compromissos com os funcionários públicos.

"No geral, o Governo moçambicano nos acostumou a sempre arranjar um bode expiatório para não cumprir com as suas obrigações", afirma Caetano. "Repare que nós crescemos a ouvir que Moçambique não cresceu por causa da guerra dos 16 anos, mais tarde ouvimos que foi por causa da Covid-19, depois ouvimos que é por causa do terrorismo, depois ouvimos que é por causa dos estragos dos ciclones."

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Aly Caetano aponta para um problema mais profundo imbuído no Estado moçambicano: "No geral, Moçambique vive uma crise porque não produz, associado ao facto de termos um Estado com grande défice de arrecadação de receitas por causa da corrupção", refere.

"Esse cenário todo faz com que o Estado não tenha condições para cumprir com a oferta de serviços sociais, como educação, saúde, justiça."

Algo "bom" com protestos: dados novos

Os protestos trouxeram, pelo menos, outra coisa: mais informação sobre os meandros das instituições, acrescenta Caetano.

Para além das dificuldades relacionadas aos salários, os moçambicanos ficaram agora a saber sobre outros temas sobre os quais não havia prestação de contas. Em novembro passado, por exemplo, a Autoridade Tributária anunciou perdas estimadas em cerca de 4,5 mil milhões de meticais (mais de 67 milhões de euros) como consequência de três dias de bloqueios na fronteira de Ressano Garcia.

"Se, de facto, o Governo consegue arrecadar tantos milhões na fronteira de Ressano Garcia, a questão que se faz é para onde o dinheiro vai?", questiona o analista político.

"Apesar de existir a lei do Direito à Informação, quase tudo em Moçambique é tratado como segredo do Estado. Agora, com as manifestações, ouvimos várias outras coisas."