Afropress: O continente africano na imprensa alemã
5 de agosto de 2011"Stop à compaixão" foi o título de um dos artigos do semanário, “Die Zeit”, ao sublinhar que a compaixão é mais nefasta que benéfica. A fome é inevitável, destacou. Já não vivemos no século XIX, quando tais catástrofes dizimavam populações, como as chagas bíblicas. Também não estamos em 1984, quando a fome se abateu, aparentemente como uma catástrofe natural, sobre a Etiópia, salienta o jornal.
O “Die Zeit” segue afirmando: “Vivemos no século XXI e existem sistemas sofisticados de alerta, que no caso da Somália advertiram contra uma catástrofe já no mês de novembro. Mas apesar de tudo, a ajuda não funcionou melhor hoje do que há 25 anos, quando grupos europeus de música criaram a iniciativa “Band AID”, lançando uma campanha para os famintos na Etiópia”. Nessa altura tratou-se de provocar a consternação através de imagens com apelos de celebridades, para angariar donativos e fomentar a distribuição de socorros. As imagens foram transmitidas pelas televisões, pelo menos até que aconteceu o mega-desastre seguinte.
Apelo para uma política de responsabilidade
O autor deste comentário também critica a especulação com produtos alimentares como a compra de terras para a produção de agro combustível. E sublinha que a prevenção é infinitamente menos onerosa. Precaver a tempo a falta de pasto para o gado dos nómadas somalis “é cem vezes menos caro que salvar as suas crianças praticamente mortas de fome”, escreve. Mas a prevenção não é espetacular. “Ela não fornece imagens que provocam grandes sentimentos e, portanto, uma ocasião para de posicionamento na grande concorrência que existe no seio das organizações humanitárias. Nada de tudo isso é novo nem revolucionário, acrescenta o semanário: “Não se necessita de uma revolução para substituir uma política de compaixão por uma política da responsabilidade. Precisa-se da vontade política dos governos, incluindo os nossos. E da pressão da opinião pública, incluindo também a nossa“, conclui o “Die Zeit”.
"A fome é obra do homem", titula por seu lado o “Frankfurter Rundschau” que publicou uma entrevista com o economista Joachim von Braun. Este defende principalmente uma exploração sustentável dos solos. Segundo o economista, 1,5 milhões de seres humanos vivem em terras degradadas, ou seja, solos cada vez menos produtivos. 40% dos pobres deste mundo tentam colmatar o défice alimentar com o cultivo nesses terrenos pouco produtivos. Mas o problema não diz respeito somente às regiões áridas, porque também atinge as terras húmidas, onde se produz uma grande quantidade de alimentos para o consumo mundial. "Portanto é um problema global" sublinha o Frankfurter Rundschau.
A degradação dos solos é alarmante
Entre os fatores da degradação dos solos, Joachim von Braun, cita a explosão demográfica, o stress climático, a hiperexploração dos solos, o aumento da produção animal, entre outros. E à questão de saber se esses fatores têm influência na fome na Somália e nos países vizinhos, von Braun responde que "a região é particularmente vulnerável. Os mais atingidos são os pastores e os nómadas. ..Em caso de seca, eles devem levar os seus rebanhos para outras regiões. M as a extensão das culturas retira cada vez mais essa possibilidade aos pastores e nómadas ".
O Tageszeitung aborda outro aspeto que põe em dúvida a utilidade da ajuda internacional. "Enquanto a ONU procura centenas de milhões para combater a fome na Somália, o governo somali de transição, apoiado pelas Nações Unidas, desviou uma grande parte da ajuda financeira que lhe foi atribuída". A informação faz parte do relatório do Tribunal de Contas para os anos 2009 e 2010. O jornal nota ainda que, "se o relatório for correto, os principais doadores foram precisamente a Líbia do coronel Kadhafi e o Sudão do presidente El-Bechir". E o quotidiano conclui que "o parlamento de transição queria discutir este relatório, mas o presidente do órgão decidiu retirar o assunto da ordem do dia". Quanto ao autor do relatório, esse passou, entretanto, a viver no Quénia.
Autor: António Rocha
Edição: Cristina Krippahl