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Afinal, há ou não falta de divisas em Moçambique?

21 de julho de 2025

Empresários queixam-se, cartões deixam de funcionar no exterior e a economia recua. À DW, economista diz que há escassez real e acusa falta de transparência entre Governo e os bancos.

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Economia moçambicana afunda com crise de divisas
Economia moçambicana afunda com crise de divisasFoto: LUNAMARINA/imageBROKER/picture alliance

A escassez de divisas em Moçambique já está a ter umimpacto direto na economia do país. A Confederação das Associações Económicas (CTA) — a principal organização empresarial do país — alertou para uma falta generalizada de moeda estrangeira, que já está a prejudicar setores vitais como a saúde, a aviação, os combustíveis e a importação de alimentos.

O Presidente da República, Daniel Chapo, acusou os bancos comerciais de reterem divisas de forma artificial, para benefício próprio, e exige ao Banco Central uma política cambial mais transparente. Este, por sua vez, reconhece sinais de "dolarização” da economia e admite que a confiança no sistema financeiro foi abalada desde a crise pós-eleitoral.

No meio destas posições contraditórias, os efeitos já se fazem sentir: cartões bancários que deixam de funcionar no estrangeiro, empresários sem acesso a divisas, e uma economia que registou dois trimestres consecutivos de crescimento negativo.

Em entrevista à DW, o economista moçambicano Kekobad Patel defende que há, de facto, uma escassez real de divisas, que está a paralisar o setor privado, a fragilizar a confiança no sistema financeiro e a empurrar o país para um cenário inflacionista cada vez mais preocupante.

DW África: Afinal, há ou não falta de divisas em Moçambique? O Banco Central diz que sim, os bancos dizem que não. Quem está a dizer a verdade?

Kekobad Patel (KP): Isto parece uma novela do gato e do rato e não sabemos como é que isto funciona. A verdade é que os empresários, e mesmo pessoas individualmente, quando têm que viajar, têm problemas sérios em conseguirem as divisas necessárias para as suas necessidades. Sejam em termos de serviço, sejam em termos de turismo, ou o que for.

Por outro lado, também, agora, há imposição da utilização dos cartões Visa que os moçambicanos têm, que têm dinheiro nas suas contas em Moçambique, dinheiro conseguido através das suas economias, os seus salários, e quando querem pagar uma despesa no exterior, estão limitados. Portanto, não é verdade que há divisas. A própria economia, enfim, mostra sinais de queda. 

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Portanto, se formos a ver o que é que se passou no último trimestre de 2024, um crescimento negativo, quase na ordem de 5%, e no primeiro trimestre de 2025, cerca de 3,9% de crescimento negativo. Portanto, em termos económicos, isto é considerado uma situação complicada.

DW África: Que impacto real essa escassez de moeda estrangeira está a ter na vida económica dos cidadãos e das empresas? Já se notam consequências no dia a dia ou ainda estamos numa fase inicial da crise?

KP: Grosso modo, já tem consequências. Quando faltam as divisas, dificulta-se fazer a reposição do stock. Eu só quero lembrar que, infelizmente, Moçambique é um país importador, e principalmente importador de comida. E isso tem consequências.

Depois tem o problema da consequência de, quando começa a faltar, quando começa a virar, digamos, a ter pouca confiança de poder pagar, o que acontece é que acaba por entrar num câmbio paralelo, muitas das vezes, que cria, portanto, um aumento de preços nos bens alimentares. Parece-me que no mês de junho, a tendência da inflação foi aumentar.

DW África: O Presidente da República responsabiliza os bancos comerciais e exige ações ao Banco Central. Na sua leitura, o que está realmente a acontecer?

KP: Se ele está a pedir ações ao Banco Central para tomar medidas, vamos ver quais são as medidas que o Banco vai tomar. Aliás, o Banco Central vai tomar.

Agora, uma coisa é contraditória. De facto, o Banco Central diz que tem divisas para garantir, durante um período de três meses, as importações do país. Por outro lado, os bancos dizem que não têm disponibilidade. Há aqui qualquer coisa que, de facto, precisa de ser devidamente esclarecida.

Não basta, numa reunião com  empresários, dizer que os bancos comerciais não estão a reter. Os bancos comerciais também são empresas. E fizeram os seus lucros e têm que pagar, ou têm que remeter, os seus dividendos. Agora, como é que os remete? Quando é que se pode remeter? Qual é a conversa que o Banco Central vai ter com esses bancos comerciais? E é isto que não está a criar aqui um ambiente de bom futuro. 

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Braima Darame - Jornalista DW
Braima Darame Jornalista da DW África