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Naparamas em Moçambique: Entre o misticismo e a luta popular

13 de fevereiro de 2025

Míticos e místicos, os naparamas só atuam em momentos de extrema tensão ou guerra. Uma força paralela que vai para a linha da frente em defesa do povo, temida pelo exército. São inimigos do Governo, mas já foram aliados.

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Soldados em Moçambique
As autoridades perseguem-nos implacavelmente, mas os naparamas revidam de forma igualmente feroz (foto ilustrativa)Foto: Simon Wohlfahrt/AFP/Getty Images

Hoje, são perseguidos sem tréguas pelas autoridades: em Larde, na província de Nampula, ou em Morrumbala, na Zambézia. Mas outrora foram estratégicos aliados do Governo da FRELIMO na guerra civil de 16 anos contra a RENAMO.

O especialista em eleições Guilherme Mbilana, que nessa altura viveu durante oito anos em Bilibiza, província de Cabo Delgado, conta sobre essa união: "Foi da criação de forças locais que combateram a RENAMO sem usar tanto as armas, era um grupo de criação local."

"Há um lugar no norte de Cabo Delgado e norte de Nampula em que tinham o seu próprio comando e que os governantes não tinham como os controlar, porque usaram os naparamas para combater a RENAMO", recorda Mbilana.

Atuais inimigos do Governo

A injustiça social e a má governação fizeram com que renascessem das cinzas, tal como a Fénix, cerca de 33 anos depois. O seu antigo aliado é agora o novo inimigo. Os naparamas juntaram-se aos milhares de cidadãos que, nos últimos meses, rejeitam o Governo da FRELIMO.

Não têm dado sossego aos próximos do regime. No início do mês, por exemplo, decapitaram um secretário do bairro no distrito de Morrumbala, na Zambézia.

Zito do Rosário, jornalista e ativista baseado na região, conta um facto mais recente atribuído aos naparamas: "Ontem, em Morrumbala, houve um clima de tensão no Bairro Samora Machel depois do falecimento do antigo combatente chamado Boer. Morrumbala acordou com um corpo carbonizado, o que gerou preocupação e comoção entre os moradores. Este corpo estava no pátio de uma escola, amarrado às costas, totalmente carbonizado e sem possibilidade de identificação."

Guilherme Mbilana, especialista em eleições
O especialista em eleições Guilherme Mbilana viveu durante oito anos em Bilibiza, Cabo Delgado, e descreve os naparamas como uma espécie de "justiceiros populares"Foto: DW/N. Issufo

Uma força popular fortalecida e protegida por poderes ocultos seria a qualificação mais ajustada para estas tropas populares paralelas. Elas não dão sinal de querer vacilar, pelo contrário.

Guilherme Mbilana vê-os como uma espécie de justiceiros populares. "Posso dizer convictamente que os naparamas são uma força de sobrevivência do Estado – digo, das populações, que são pobres, que não têm o que comer, não tem tudo o que seria de bom para o cidadão num momento de estabilidadse que já não existe. É uma forma de organização das comunidades, sobretudo ao nível da segurança, para forçar o Governo a dar atenção às populações", afirma.

Mitos e histórias de aterrorizar

São um verdadeiro mito. As histórias sobre eles atraem a atenção e aterrorizam qualquer um, incluindo as Forças de Defesa e Segurança (FDS). Vários vídeos mostram polícias, por exemplo, literalmente amedrontados diante dos ritos dos naparamas.

"Eles têm armas ou tiveram e estão imbuídos de certo espiritismo, acreditando que os homens naparamas são anti-balas, que não morrem, etc.", comenta o académico João Mosca a propósito do misticismo à volta dos naparamas.

"Inclusivamente, dizem que Manuel António, que era comandante dos naparamas e foi morto na guerra civil pela RENAMO, perdeu a sua natureza anti-bala porque não cumpriu uma das regras que a própria feiticeira lhe teria recomendado. Enfim, são contos, mas que existem e que são temidos pela sua natureza violenta", destaca.

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Atuam sobretudo na Zambézia, Nampula e Cabo Delgado. São respeitados pela população, com quem mantêm um forte vínculo e a quem prestam informações sobre as suas ações.

Sobre a sua origem, João Mosca explica que "os naparamas são um grupo paramilitar com base na Zambézia, em particular na Maganja da Costa. Há um livro de José Capela chamado 'República Militar da Maganja da Costa' que refere isso."

Mas também há quem acredite que os naparamas de hoje não sejam autênticos, que estejam apenas a aproveitar-se da crise política para obter vantagens. De qualquer forma, o seu modus operandi, baseado em crenças sobrenaturais e na imprevisibilidade da sua atuação brutal, coloca-os um passo à frente na luta contra as forças regulares. Quem sairá derrotado desta batalha?

Jornalista da DW Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África